Artigo - Adriano Pires |
O Globo |
19/12/2006 |
Durante todo o primeiro mandato do presidente Lula chamamos a atenção, até de uma forma bastante veemente, da ausência total de uma agenda microeconômica que fornecesse as diretrizes e elaborasse as políticas que permitissem a entrada com segurança dos investimentos, em particular, no setor de infra-estrutura. A conseqüência principal dessa falta de agenda serão os apagões com que iremos conviver durante o segundo mandato do presidente Lula. No caso do gás natural e da energia elétrica a situação é bastante crítica. Em 2005, o consumo do gás chegou a 47 milhões de m³/d, crescendo 14% a.a. desde 2001. O gás natural já é o terceiro energético mais utilizado na indústria brasileira, sendo superado apenas pela eletricidade e bagaço de cana. Temos, também, a segunda maior frota mundial de veículos automotores convertidos ao gás natural veicular (GNV) com mais de um milhão de veículos, atrás somente da Argentina. Além disso, o país possui um parque de usinas de geração térmica a gás que, segundo dados da Aneel, chega a 9,9 GW ou 10% da capacidade de geração instalada no Brasil. Infelizmente, essa fase de crescimento do mercado brasileiro de gás dá sinais de esgotamento e até pode faltar gás para os atuais consumidores. Em 2006 a perspectiva é de um crescimento de apenas 5%. A produção doméstica não cresceu o bastante de modo a evitarmos uma rápida escalada da dependência de importações bolivianas que já ultrapassa 50% da oferta no país. No período 2001-2005 a produção doméstica de gás cresceu apenas 11% a.a., enquanto as importações da Bolívia aumentaram 22% a.a. Na ânsia de tornar o país auto-suficiente em petróleo os projetos de produção doméstica de gás foram todos atrasados e esperou-se muito tempo para decidir sobre a construção de plantas de regaseificação. Ainda dentro da lógica de atingir a auto-suficiência foram queimados 3,6 milhões de m/dia na Bacia de Campos em 2006, o que significa 70% do consumo de GNV no Brasil. O baixo crescimento da produção doméstica, a pequena rede de gasodutos de transporte existente (o último grande investimento da Petrobras em gasoduto de transporte foi o Gasbol), o congelamento do preço do gás por tempo exagerado e a crise da Bolívia conduziram a uma situação de escassez de gás natural em todas as regiões do país. No setor elétrico essa escassez de gás natural levará a uma elevação nos preços e um aumento do risco de déficit. Recentemente, a falta de gás impossibilitou o despacho pleno de usinas térmicas chamadas a operar pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Isso levou a Aneel a publicar uma resolução mostrando a indisponibilidade de gás para atender às térmicas. Como a resolução daria um enorme impacto nos preços e elevaria drasticamente o risco do déficit, a Aneel voltou atrás e preferiu efetuar testes entre 11 e 23 de dezembro para verificar, segundo a agência, o estado verdadeiro da oferta de gás natural. Os resultados iniciais mostraram que existe disponibilidade de gás para atender a somente 36% da capacidade instalada do parque térmico. Mesmo que esses números melhorem ao longo do teste, o aumento dos preços da energia elétrica nos próximos anos é inevitável, bem como a possibilidade de apagão. Diante desse quadro, é preciso tomar providências urgentes no sentido de aumentar a capacidade de energia elétrica. Para que o país tenha um crescimento médio de 4% a.a. nos próximos quatro anos será necessário um aumento médio anual da capacidade de no mínimo 3.500 MW. Segundo dados da Aneel, se considerarmos apenas as usinas sem qualquer tipo de restrição, o aumento da capacidade média anual será de apenas 1.175 MW no período 2007-2010. No período 1990-1999, que antecedeu o racionamento de 2001, a capacidade anual média era de 1.591 MW. Os números são parecidos e os problemas poderão ser os mesmos. Infelizmente o governo tem mostrado um total despreparo na gestão do setor de energia, e caminhamos para uma situação semelhante à que estamos passando no setor aéreo. Provavelmente, daqui a pouco tempo estaremos vendo as autoridades do setor elétrico fazendo o mesmo discurso religioso das autoridades do setor aéreo. Ou seja, precisamos ter fé em Deus, vamos rezar para tudo dar certo. O outro apagão que também já aconteceu foi o cancelamento da oitava rodada de licitações de áreas de petróleo e gás natural. Pela primeira vez, a ANP cancela um leilão provocando descrédito e mostrando um desconhecimento por parte da agência sobre procedimentos a serem adotados na esfera da regulação da indústria do petróleo e do gás natural. As conseqüências principais desse apagão serão a desconfiança dos investidores para os próximos leilões e a perda de investimentos que ajudariam a aumentar as reservas e a produção de petróleo e gás natural no Brasil. Os próximos apagões serão o do gás natural e o da energia elétrica. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, dezembro 19, 2006
O apagão vem aí
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