Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 10, 2006

O Exército não deve vir




Editorial
O Estado de S. Paulo
10/8/2006

Não bastasse ser a principal vítima dos atentados terroristas praticados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a população de São Paulo vê-se submetida ao constrangimento de tomar conhecimento do bate-boca entre o secretário de Segurança Pública e o ministro da Justiça. Um, impulsivo boquirroto, e outro, criminalista acostumado nos tribunais a aproveitar as fraquezas do adversário, engalfinhamse em público numa quizília inútil a respeito do emprego de tropas do Exército no combate ao PCC. Como ambos, pelas posições que ocupam, sabem que a intervenção do Exército em São Paulo se tornou uma virtual impossibilidade jurídica e política depois que o governador do Estado descartou a hipótese, só se pode entender que batem boca, primeiro, porque não têm soluções práticas - além das óbvias - para enfrentar a grave subversão da ordem pública e, segundo, porque o ministro procura aproveitar a situação trágica para beneficiar o candidato Lula da Silva. E, com isso, fazem sem disparar um tiro aquilo que o PCC tenta fazer com atentados à bomba: desmoralizar as autoridades e as instituições aos olhos do público.
A ninguém aproveita enviar força militar a São Paulo. Ao contrário, são robustas as chances de tal aventura dar tragicamente errado.
A cúpula do Exército é a primeira a saber disso - e se preocupa com a eventualidade de o bom senso ser o grande derrotado se a crise da segurança no Estado se aprofundar, fazendo prosperar a crendice de que a lei e a ordem só prevalecerão sobre o crime organizado se estiverem sob responsabilidade das baionetas federais. Quem tiver um mínimo de informação sobre o pensamento dominante no oficialato lerá da maneira correta a sumária e burocrática declaração do comandante da Força, general Francisco Albuquerque: "O Exército está sempre pronto a atuar." Se pudesse externar o que decerto lhe vai no íntimo, completaria: "Mas nem por isso deve atuar em toda e qualquer situação." Diferentemente dos generais, no caso, aqueles que falam duas vezes antes de pensar costumam invocar o exemplo do Rio de Janeiro, onde em março a tropa verde-oliva "subiu o morro". Em São Paulo, que morro subiria? Uma coisa é a ação do narcotráfico no Rio, outra, muito diferente, são as investidas do PCC em São Paulo. Os campos de batalha não se comparam. O dali é relativamente concentrado. O daqui se dissemina pelo Estado inteiro quando dá na veneta dos chefões da bandidagem vingar-se do poder público, humilhando a sua capacidade de dar segurança à população.
A dispersão geográfica do problema, por si só, revela a futilidade da solução desejada pelos incautos, a menos que se imagine o despautério de povoar o território paulista com bases do Exército, como em um país ocupado. Além disso, o terror imposto pelos narcotraficantes aos cariocas está longe de ser do mesmo gênero do que pratica o PCC para exibir o seu poderio e colocar a repressão na defensiva. As formas e os intuitos da violência diferem. Anteontem, pela primeira vez, os soldados de Marcola atacaram um espaço público, deixando uma granada - por sinal de uso exclusivo do Exército - pronta para explodir perto do Túnel 9 de Julho.
A qualquer momento e em qualquer lugar, portanto, os homens do Exército ficariam expostos à condição de "patinhos em parque de diversões", na analogia de uma fonte militar ouvida por este jornal. Nada impediria que atiradores motorizados do PCC alvejassem recrutas para fazer prova de seu desdém pelo novo inimigo. Não se sustenta, por onde quer que se avalie a questão, a tese otimista de que a tropa na rua - e que ruas seriam escolhidas na imensidão de São Paulo? - intimidaria a bandidagem, a ponto de seus chefes acharem melhor dar o toque de recolher aos seus terroristas. Outro cenário é o Exército participando do controle do sistema prisional do Estado, onde tudo começa. Eis uma função para a qual a Força não tem preparo, nem vocação.
De mais a mais, a entrada do Exército significaria uma intervenção branca no Estado e uma abdicação da autoridade do governo paulista. Pela legislação, mesmo quando essa presença resulta de iniciativa do poder público estadual - a outra alternativa é a intervenção federal propriamente dita, como a que se chegou a cogitar dias atrás para Rondônia -, o Exército não pode responder ao governador.
Imaginar que o Exército possa agir como uma espécie de força auxiliar da Polícia Militar é flertar com uma ilegalidade a que, de resto, o Exército nem em sonho se prestará.

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