Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 11, 2006

Merval Pereira - Corrida armamentista

O Globo
11/8/2006

Há dois países na corrida armamentista na América do Sul, o Chile e a Venezuela. A Venezuela, porque teme um desembarque americano. No início do ano, os Estados Unidos mandaram um gigantesco porta-aviões para fazer treinamento de desembarque em frente, em Aruba. Quanto mais a situação no Oriente Médio fica difícil, mais o petróleo aqui fica importante, na avaliação de Francisco Carlos Teixeira, professor de história contemporânea da UFRJ, para quem a Venezuela está comprando pesado, “mas tudo é para garantir a área offshore dela, não é para dentro”. Já o Chile se prepara para enfrentar Evo Morales, que faz exigências sobre a saída para o mar para a Bolívia.

Diante do fato de que a Colômbia tem um vasto programa militar com os Estados Unidos; o Peru de Alan García pode ter problemas com Chávez; e Evo Morales também pretende uma saída para o mar para a Bolívia, qual será o futuro da América do Sul? Para o professor Domício Proença Filho, do Grupo de Estudos Estratégicos da Coppe/UFRJ, “não soa razoável extrapolar esses elementos num quadro de conflito armado. A direção da política brasileira é pró-integração econômica com esses países”.

Também Expedito Bastos, pesquisador de Assuntos Militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, acha que “enquanto tudo estiver no campo das bravatas, como agora, não haverá maiores problemas envolvendo Colômbia, Peru, Bolívia e Venezuela, muito embora cada um deles tenha problemas históricos mal-resolvidos”.

Na análise de Bastos, “a Venezuela está tentando chamar a atenção para si e, como tem muito dinheiro oriundo da produção de petróleo, vem usando-o como um fator desagregador no continente”. Ele avalia que Chávez está criando uma grande dependência na área militar e, num determinado momento, toda a sua cadeia logística pode deixar de funcionar, “bastando apenas ferir os grandes interesses da superpotência e de algumas potências, fomentando grupos vistos como uma ameaça após os acontecimentos do 11 de Setembro”.

Hugo Chávez, durante sua visita à Rússia, assinou contratos avaliados em US$ 3 bilhões. Além de adquirir jatos russos Sukhoi-30 para substituir seus caças F-16, de fabricação americana, comprou também helicópteros e mísseis terra-ar. Em curto prazo, porém, a corrida armamentista da Venezuela não representa muito, na avaliação do pesquisador Expedito Bastos:

“Levará algum tempo para a entrega total dos aviões, helicópteros e fuzis adquiridos aos russos, além de capacitação para seu emprego. Isso se tornará um complicador para eles próprios, já que a dependência para peças de reposição e manutenção será total, principalmente em aviões, veículos blindados e navios, uma vez que não dispõem de um grande e diversificado parque industrial”.

Com relação ao Brasil, “a própria condição geográfica dificulta em muito as ações militares, com o emprego de equipamentos de grande porte. O raio de ação dos aviões não atinge as nossas regiões mais desenvolvidas”, garante o especialista. O que pode vir a preocupar, segundo Bastos, é a possibilidade de se montar uma fábrica de fuzis Kalashnikov na Venezuela. “Esta hipótese, sim, poderá gerar complicadores para a região, visto que as armas podem ser repassadas a grupos guerrilheiros, narcotraficantes e outras facções criminosas que poderão usá-los para desestabilizar a frágil segurança pública em vários países da região”.

O professor Domício Proença Filho também acha que, “em si mesmas, as compras da Venezuela, até o presente, correspondem à atualização e à modernização, com pouco impacto no equilíbrio da região”. Existe realmente um perigo de ataque americano, como alega Chávez, devido à crise do petróleo? “As tensões diplomáticas entre Caracas e Washington não são de hoje. Os EUA reconheceram rapidamente o golpe que buscou derrubar o presidente Chávez, que expressa a posição de que os EUA querem mais do que é justo e correto em suas relações com a Venezuela, em particular, e a América do Sul, em geral. Ver nessas tensões o potencial de ataques é uma perspectiva cujo conteúdo pertence ao presidente Chávez, e soa exagerada”, analisa Proença Filho.

Já Nelson Franco Jobim, jornalista, professor e consultor de relações internacionais, considera “um equívoco” a visão marxista que vê os EUA como inimigo. “Há diferentes países e o Brasil precisa negociar com todos eles. Nesse sentido, o bloco regional ajuda a acumular forças. Mas Chávez quer acumular forças para ampliar o palco de sua retórica antiimperialista, não para negociar com os EUA. É uma atitude negativa e contraproducente”. Essas visões, inclusive a do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, partem do princípio de que o mundo se polariza de novo em torno do eixo Norte-Sul, e que o Brasil faz parte do Sul. Essa posição ideológica faz sentido no mundo de hoje?

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães acredita que sim, e aborda a questão da segurança da Região Amazônica como um movimento para se contrapor ao que considera ser uma estratégia americana para garantir a presença militar direta na Região Andino-Amazônica. No livro “Desafios brasileiros na era dos gigantes”, ele analisa esse aspecto com uma visão acusatória:

“Um componente relativamente novo na questão da segurança da Região Amazônica brasileira é a crescente presença de assessores militares americanos e a venda de equipamentos sofisticados às Forças Armadas colombianas, pretensamente para apoiar os programas de erradicação das drogas, mas que podem ser, fácil e eventualmente, utilizados no combate às Farcs e ao ELN”. ( Continua amanhã ) 

Arquivo do blog