Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

A maneira certa de combater o terror :EDITORIAL Estado



É uma colossal simplificação o lugar-comum de que só há duas maneiras de enfrentar qualquer problema: a maneira certa e a maneira errada. No entanto, pelo menos no caso do combate ao terrorismo islâmico, a platitude tem fundamento. Com uma agravante: a escolha da maneira errada adiciona um obstáculo de enormes proporções à própria maneira certa de lidar com o desafio. Por isso, passados praticamente cinco anos dos ataques sem precedentes do 11 de Setembro, poucas coisas no mundo de hoje são tão nítidas quanto a futilidade e o efeito bumerangue da guerra ao terror declarada pelos EUA de Bush.

Depois que os serviços britânicos de segurança conseguiram abortar um plano para explodir uma dezena de aviões comerciais a caminho dos Estados Unidos, identificando e prendendo, em 3 cidades inglesas, 24 prováveis envolvidos na operação, não menos evidente é o acerto da alternativa de lutar contra a ameaça terrorista - que veio para ficar, até onde a vista alcança - não com bombas, mas com ininterruptas ações policiais e de inteligência, respaldadas por meios legais e jurídicos para restringir o potencial ofensivo do inimigo e por meios políticos para impedir a expansão de suas bases de apoio.

Em 2004, o candidato democrata à Casa Branca, John Kerry, disse ao New York Times algo que deve ter soado como uma heresia para os americanos induzidos a acreditar na eficácia antiterrorista da invasão do Iraque, já então uma catástrofe em preparo acelerado. Kerry afirmou que, no limite, o terrorismo islâmico - diferente nos alvos do fanatismo nacionalista ou da insanidade revolucionária - deve ser encarado como uma forma de crime organizado e reprimido como se reprimem as suas mais notórias manifestações, o narcotráfico, o comércio sexual e a penetração das atividades econômicas por máfias supranacionais.

Pode-se ir mais longe. Hoje em dia, dentro ou além de suas fronteiras, os Estados nacionais já não podem recorrer à guerra convencional - a continuação da política por outros meios, de que falava o teórico Clausewitz - quando os seus inimigos são os chamados atores não-estatais. A designação abrange uma infinidade de organizações que recorrem à violência indiscriminada, à pedagogia do terror ou à propaganda pela ação, a exemplo da Al-Qaeda, o Hamas, a Jihad Islâmica, o Hezbollah e - guardadas as proporções de meios e fins - até bandos como o PCC brasileiro. Eles podem ser tolhidos, mas não erradicados.

Na nova guerra, a violência planificada e os atentados suicidas dos inimigos das sociedades civilizadas não resultam apenas em mortes e destruição. Resultam, também, em histeria coletiva, atropelo dos valores liberais em nome da defesa contra a barbárie e manipulação da opinião pública por governos de tendências autoritárias, como o de Bush. Mas o seu maior êxito são os fracassos das táticas antiterroristas, combinados com a desatinada estratégia da "guerra global ao terror". De um lado, revelou há pouco o Washington Post, está a crônica incapacidade dos órgãos policiais e de segurança americanos de se comunicar. De outro, a transformação do Iraque em celeiro do terror.

Espantosamente, os porta-vozes do bushismo se permitem dizer que uma eventual retirada do Iraque será "uma tremenda vitória para a mesma gente que planejava na Inglaterra explodir aqueles aviões, e a estimulará a atacar novamente" - palavras do senador democrata direitista Joseph Lieberman, por sinal caído em desgraça no seu partido. A retórica oficial britânica não é muito diferente, mas o seu aparato de segurança, escolado em décadas de combate aos extremistas na Irlanda do Norte, é mais confiável do que o primeiro-ministro Tony Blair, cujo servilismo a Washington lhe valeu o apelido "poodle de Bush".

É verdade que, em julho do ano passado, nem a Scotland Yard nem as agências de espionagem conseguiram prevenir os atentados que mataram 52 pessoas em Londres. Mas é assim mesmo: o outro lado sempre vencerá algumas batalhas. O que cabe é agir realisticamente para que sejam raras as suas vitórias, enquanto não amanhecer o dia em que os Estados Unidos e seus aliados afinal entenderem que terão de conversar, se não com as organizações assassinas, com os interlocutores islâmicos que têm razões objetivas de ressentimento do Ocidente - a origem do desejo de vingança que arma o braço do terror.

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