Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

Cortina de fumaça

Cortina de fumaça

Obrigado por Fumar e a luta de
um lobista da indústria do tabaco


Miguel Barbieri


Fotos divulgação
O senador (William H. Macy): caveira nos maços


Nick Naylor adora o que faz. Ao mesmo tempo, Nick Naylor não acredita no que faz. O personagem interpretado por Aaron Eckhart na comédia Obrigado por Fumar (Thank You for Smoking, Estados Unidos, 2005), que estréia nesta sexta-feira no país, vive um eterno dilema entre consciência moral e orgulho profissional. Seu trabalho é dos mais impopulares imagináveis: ele é o porta-voz da indústria do fumo. O filme de estréia do diretor Jason Reitman, de 28 anos – filho do realizador Ivan Reitman, de Os Caça-Fantasmas –, tem a inteligência de não passar julgamentos fáceis sobre o desagradável ofício de seu protagonista. O cínico Nick Naylor talvez se justifique pensando que o seu é um trabalho sujo, mas alguém tem de fazê-lo. E esse é o argumento do filme: a indústria tabagista lucra vendendo o câncer e a morte, mas é seu direito defender publicamente o seu produto.

A nêmesis de Naylor é Ortolan Finistirre (William H. Macy), um senador implacável que pretende obrigar os maços de cigarro a trazer o símbolo de uma caveira. Finistirre encarna aquele fundamentalismo dos puros, típico de políticos americanos, tanto na esquerda quanto na direita. Em seu afã de combater o tabagismo, planeja até "apagar" o cigarro de todos os filmes rodados antes de Hollywood banir os fumantes das telas, lá pelos anos 1980. Imagine-se o cigarro, que era parte do charme de Humphrey Bogart, digitalmente substituído por um incongruente lápis em todas as cenas de Casablanca. Naylor, por seu lado, tenta convencer um agente de estrelas para que o execrado cigarro volte às superproduções, de preferência entre os dedos sedutores de um Brad Pitt e de uma Catherine Zeta-Jones. "Eles toparam, mas pedem 25 milhões de dólares para fumar no filme", diz o agente, interpretado por Rob Lowe.

O trabalho de Naylor não o qualifica exatamente como um lobista. O lobby é mais uma função executada nos bastidores da política, ao passo que Naylor é pago para representar a face pública de sua indústria em palestras e debates. Seus dilemas, porém, são os mesmos de muitos lobistas: ele defende os interesses de um setor da sociedade que se vê cercado por uma onda de reprovação. Não é um trabalho bonito, mas é uma função legítima – pelo menos, quando feita às claras: o lobismo nos Estados Unidos é reconhecido e regulamentado, o que diminui a margem para as práticas escusas que se conhecem no Brasil .

Baseado no livro homônimo de Christopher Buckley, Obrigado por Fumar é uma defesa extrema e mordaz da liberdade de expressão. É um filme de humor ácido. O diálogo entre Naylor e seus colegas que representam a indústria do álcool e a de armas, no qual os três disputam para aferir quem mata mais pessoas, é antológico. Mas os não-fumantes podem assistir ao filme com tranqüilidade: está longe de ser uma apologia do tabaco. Fato curioso para uma comédia centrada no cigarro: nenhum personagem aparece em cena fumando.

 

LOBBY BOM E LOBBY MAU

O lobismo nos Estados Unidos e no Brasil


Eckhart como o cínico Nick Naylor: ele é impopular – e gosta disso

Estados Unidos – O lobby é regulamentado por lei. É uma indústria que hoje movimenta, em Washington, cerca de 2,1 bilhões de dólares por ano e dispõe de mais de 27 000 profissionais. Neste ano, foi aprovada uma lei que proíbe lobistas de presentear senadores ou lhes pagar refeições

Brasil – O lobby não está contemplado na lei, o que permite que a atividade corra às escuras nas agendas de parlamentares. O acesso de direito ao poder público pode se transformar em uma barganha que envolve suborno e tráfico de influência

Arquivo do blog