Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 08, 2006

Ciclos ALI KAMEL- Jornal O Globo



No ano passado, escrevi um artigo cujo título era “O mesmo mundo”. Eu dizia que não vivíamos num mundo pior, cheio de guerras e desventuras: o mundo sempre foi assim. Há dias venho criando coragem para comentar o que se passa hoje no Oriente Médio, mas, cada vez que começo a estudar o assunto mais de perto, a sensação de que tudo é apenas uma repetição do passado me deixa prostrado. É impressionante como ali a História se repete, e não como farsa, como queria Marx, mas sempre como tragédia.

Lembremos 1978. A OLP estava abrigada no Líbano e, de lá, prosseguia em sua luta para retomar não apenas as terras que Israel conquistou na guerra árabe-israelense, mas para pôr fim ao país inteiro, “varrendo-o do mapa”, na retórica ainda viva na boca de muitos. Em março daquele ano, um grupo de terroristas ligados ao Fatah seqüestrou um ônibus com crianças que faziam um passeio de um dia ao Norte de Israel. Seguiram para Tel Aviv e, na entrada da cidade, ao se depararem com uma barreira, saltaram do veículo, iniciaram um tiroteio e lançaram mísseis contra o ônibus, matando 35 pessoas. Israel, então, empreendeu um ataque ao Líbano, invadindo o país dez quilômetros além da fronteira. O mundo reagiu em coro contra Israel, o Conselho de Segurança da ONU passou a resolução 425, impondo a imediata retirada das tropas israelenses do Líbano e criando uma força internacional de paz. Em junho, Israel deixou o Líbano, mas, nos quatro anos seguintes, a força de paz não cumpriu os seus objetivos, e os ataques da OLP a Israel e as conseqüentes retaliações continuaram.

Em 1981, um cessar-fogo foi conseguido pelos EUA, mas foi apenas formal: nos 11 meses que se seguiram, houve 270 ataques a Israel. Em abril de 1982, uma mina matou um oficial do exército israelense, e a resposta veio rapidamente, na forma de ataques aéreos e bombardeios. Em junho, houve uma tentativa de assassinar o embaixador de Israel no Reino Unido, o que deflagrou nova invasão do Líbano, com o objetivo de afastar o perigo da OLP, armada até os dentes. A história é bem conhecida: Israel ficou lá por três anos, as lutas foram cruentas, houve o massacre de Sabra e Chatila e a OLP acabou indo, com Arafat e tudo, para a Tunísia. Reagan acreditou que a força de paz da ONU não daria jeito e mandou para lá uma nova força, composta por marines e soldados da França e Itália. No fim, os marines carregaram o maior peso, até que o recém-fundado Hezbollah, financiado pelo Irã, reintroduziu, após 900 anos de hibernação, a prática dos atentados suicidas: um carro-bomba levou pelos ares a embaixada americana, matando 17 diplomatas e 40 funcionários libaneses, e, meses depois, outros dois carros-bomba mataram 241 marines , no aeroporto de Beirute, e 56 soldados franceses, a alguns quilômetros de distância. Houve as retaliações de praxe, e Reagan tirou de lá os marines , apenas quatro meses depois.

Israel se estabeleceu, então, numa faixa da fronteira, criando uma zona de segurança, até que, em 2000, saiu inteiramente do Líbano, cumprindo integralmente a resolução 425 da ONU.

Como em 1982, quando o presidente de origem cristã, pró-Israel, Bashir Guemayel, foi assassinado numa explosão de carro-bomba atribuída à Síria, ano passado foi morto o ex-primeiro ministro do Líbano Rafik Hariri, não pró-Israel, mas pró-Ocidente, também numa explosão de carro-bomba. Como tudo se parece... O assassinato de Hariri também foi atribuído à Síria, que acabou deixando o território libanês, depois de uma presença de mais de trinta anos.

Bem, hoje a história se repete. Como a OLP no passado, o Hezbollah cresceu, dominou o Sul do Líbano, armou-se com 12 mil foguetes e recomeçou a atacar israelenses. Quando um ataque matou oito soldados e seqüestrou outros dois, Israel invadiu novamente o Líbano, para pôr fim à ameaça armada. No momento, estamos na fase da costura de uma nova resolução da ONU, que, provavelmente, criará uma nova força internacional de paz, e acabará, de uma forma ou de outra, determinando que Israel saia do país. Depois, bem, não quero me arriscar a dizer o que virá depois para não parecer praga.

Porque não se trata disso. Esse artigo pode parecer pessimista, mas não é. Eu o chamaria de realista. Essa guerra já dura 58 anos, o que parece uma eternidade. Mas, se olharmos para trás, veremos que conflitos mais longos, que pareciam insolúveis, hoje não passam de História. Nós, seres humanos, somos assim: uma hora a gente cansa. Não sou médico, mas sei que, quando um mal se torna crônico, a razão é única: a causa não foi debelada. É o que acontece por lá.

Um bom remédio é que a democracia alcance os países árabes: quando os povos tiverem o comando de seus destinos, duvido que concordem com grupos fanáticos terroristas que atiram foguetes em vizinhos sabendo de antemão que a reação será um pesado bombardeio sobre suas cabeças. É também preciso deixar Deus fora do conflito, porque sabemos todos que Deus não tem partido. É fundamental que os dois lados se aceitem como uma realidade inamovível e mais fundamental que cedam naquilo que lhes é mais caro. Enquanto isso não acontecer, o conflito persistirá, repetindo-se de forma monótona. E trágica.
ALI KAMEL é jornalista. E-mail: ali.kamel@oglobo.com.br.

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