Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 08, 2006

Luiz Garcia Disque-Constituição- Jornal O Globo




Em tese, e apenas num ponto, a eleição de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política poderia ser melhor do que entregar a missão ao próprio Congresso: ela teria mais isenção para discutir estrutura, poderes e meios do Legislativo.

Na prática, a idéia é tão infeliz quanto inviável. Como lembrou o sábio Gaspari, de onde sairiam os candidatos a essa assembléia de pauta única, forçados a voltar para casa depois de cumprida a missão? Alguém imagina veteranos professores de direito e ministros do STF aposentados distribuindo santinhos em feira livre?

Há 20 anos, o presidente Sarney tentou uma fórmula original: o próprio Congresso votaria uma nova Constituição, mas a partir de anteprojeto preparado por uma comissão de notáveis, presidida por Afonso Arinos. Não adiantou grande coisa. Os constituintes, defendendo interesses próprios — muitas vezes impróprios — despedaçaram o sério trabalho dos juristas.

Um dos mais notáveis absurdos foi o artigo que fixava teto de 12% ao ano para a taxa de juros no país. Durante anos, evitou-se regulamentar o capítulo financeiro da Carta para evitar a vigência dessa camisa-de-força, até que um breve período de sanidade legislativa permitiu que na regulamentação fosse suprimida a bem-intencionada bobagem.

O presidente Lula, que continua pouco lendo e nem sempre ouvindo, agora defende uma Constituinte exclusiva para a votação da reforma política. Em Caracas e La Paz, pode ter gente batendo palmas: é uma forma que Chávez e Morales certamente aplaudem de jogar para escanteio a classe política.

Aqui, os políticos, alguns por espírito público, outros nem tanto, estão caindo de pau. E mais baterão depois de registrarem o que disse Lula no fim de semana, com seu tato peculiar: “Se depender do Congresso, nós teremos um arremedo e não uma reforma política.”

Para variar, a moeda tem dois lados. O presidente do Senado, Renan Calheiros, argumentou que pelo menos a sua Casa já aprovou uma meia dúzia de pontos da reforma política. É um argumento frágil: mostra como tem sido pequeno o avanço.

Com certeza a melhor forma de exorcizar de vez a Constituinte exclusiva seria, além de mostrar sua inviabilidade, fazer com que a reforma que tramita no Congresso ganhe rapidez, mostrando relevância e amplitude.

Está certo que não será fácil estabelecer normas e princípios que façam a atividade política — mais especificamente, o mandato legislativo — deixar de ser, para muita gente, bom negócio no pior sentido do termo.

Mas só dando sinais indiscutíveis de que estão fazendo seu dever de casa com honestidade e diligência os congressistas conseguirão que Lula pare de falar em ligar para o Disque-Constituição.

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