Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 11, 2006

Celso Ming - Moratória da dívida

O Estado de S. Paulo
11/8/2006

"Não vou pagar, não pago não; dívida externa é coisa de ladrão."

Foi este o refrão que o séquito da senadora Heloísa Helena (foto), candidata à Presidência da República pelo PSOL, bradou há três semanas no centro de Florianópolis.

Embora essa turma queira exatamente o que proclama, até agora a senadora não caiu na besteira de defender o calote da dívida. Tem se limitado a prometer "uma auditoria". Mas ela também não desautorizou a palavra de ordem dos seus próceres partidários. É o suficiente para deixar dúvidas no ar.

Independentemente do que ela de fato pense, convém conferir o que, do ponto de vista econômico e sobretudo político, significaria decretar a moratória.

Esse assunto é tão importante que, em junho de 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se sentiu na obrigação de editar um documento, o mais importante da campanha, a Carta ao Povo Brasileiro. Lá ficou registrado que, se eleito, Lula faria o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) e elevaria os juros aonde tivessem de ir para garantir o pagamento do passivo público. Nestes quatro anos, o presidente Lula não cumpriu uma montanha de promessas, mas cumpriu à risca o compromisso assumido na Carta ao Povo Brasileiro.

Pregar moratória da dívida ou o equivalente é tomar direção diametralmente oposta à de Lula em 2002. Mas, de lá para cá, alguma coisa mudou e seria necessário requalificar o que seria uma decisão dessas.

Não faz mais sentido defender o calote da dívida externa porque, a rigor, ela não existe mais. O Tesouro deve alguma coisa em torno de US$ 63 bilhões, não mais a bancos ou credores importantes, mas aos atuais tomadores de títulos brasileiros em moeda estrangeira. Como o nível das reservas já está muito próximo dos US$ 70 bilhões, segue-se que o Tesouro é credor líquido e não mais devedor. Essas reservas estão quase todas aplicadas em títulos de dívida de países industrializados. Ou seja, o Brasil está emprestando dinheiro para países ricos.

Há mais cerca de US$ 110 bilhões devidos a credores externos, mas essa já é uma dívida dos Estados ou do setor privado, coisa da Volkswagen, Aracruz, Votorantim, Itaú, Bradesco, etc. No segmento da dívida privada, se houvesse calote, seria por conta dessas empresas e não do contribuinte brasileiro.

Mas há a dívida mobiliária (em títulos) pública interna, da ordem de US$ 1 trilhão. O principal credor dessa dívida é todo aquele que aplica um dinheiro nos bancos. As pessoas comuns que vão ao banco e investem em fundos de renda fixa podem pensar que estão emprestando dinheiro para o Bradesco, para o Itaú, para o Banespa ou para qualquer outro banco. Na verdade, os bancos são apenas os intermediários nessa operação. Quando muito, operam como administradores de uma carteira, serviço para o qual cobram uma polpuda taxa de administração. Enfim, os fundos de renda fixa e os fundos DI são formados por títulos da dívida pública.

Decretar a moratória ou o calote dessa dívida seria meter a mão nas aplicações do próprio brasileiro, coisa que nem o presidente Collor acabou fazendo. 

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