O Estado de S. Paulo
2/7/2006
Em vez de consagrar Lula como candidato à Presidência, o PT poderia
ter amargado a escolha de outro nome, pouco competitivo, caso suas
propostas sobre a economia houvessem sido adotadas pelo governo.
Poderíamos estar vivendo uma crise econômica que teria enterrado o
projeto de reeleição.
Em parte por ter evitado o abismo derivado de suas idéias, que
abandonou, Lula colhe os frutos dos bons resultados na economia e se
tornou o favorito nas eleições. Ainda que não se possa descartar a
vitória de Geraldo Alckmin, seu principal oponente, a virada é
difícil de ocorrer.
Como entender as preferências da maioria dos eleitores por alguém que
preside um governo medíocre no seu todo e cercado de graves denúncias
de corrupção?
Uma das explicações para esse aparente paradoxo é a combinação
virtuosa de manutenção da política econômica com a sorte de ter
presidido o Brasil em um dos melhores ciclos de crescimento e de
liquidez mundiais dos últimos 30 anos. Não bastasse essa vantagem,
Lula não tem competidores no campo da comunicação política eficaz.
Lula é provavelmente o primeiro líder de massas da América Latina a
seguir uma política econômica responsável. Outros - Perón, Allende,
Alan Garcia - provocaram desastres com a adoção do populismo
econômico. Por isso, em vez de terminar politicamente arrasado como
eles, chega ao fim do mandato beneficiando-se eleitoralmente de seu
carisma pessoal e do crescimento econômico, ainda que menor do que
permitiria a conjuntura mundial.
A meu ver, três fatores levaram Lula a abandonar o discurso econômico
petista: pragmatismo, mudanças na sociedade e construção
institucional herdada dos antecessores. Pragmático, renunciou às
velhas idéias de moratória da dívida externa, limites para pagamento
de juros da dívida interna, elevação do já grave direcionamento do
crédito, eliminação do superávit primário, reversão das privatizações
e por aí afora.
Lula sabe que os pobres, seus principais eleitores, passaram a
detestar a inflação. Ele percebeu o nexo causal entre a boa gestão
econômica e a estabilidade dos preços. Esse nexo tornou-se visível
graças aos avanços institucionais dos últimos anos, particularmente a
autonomia operacional do Banco Central (BC), a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e as medidas que aumentaram a
integração ao mercado financeiro externo.
Dadas a transparência e a previsibilidade nas políticas fiscal e
monetária, os mercados antecipam riscos da gestão macroeconômica
irresponsável, que deságuam em crises de confiança, recessão e
inflação. Lula compreende essa dinâmica, o que não é o caso de
companheiros que defendem negociações para mudar a LRF em torno de
níveis "aceitáveis" de inflação.
A dificuldade de entender essa nova realidade também é patente nos
que conduzem uma política externa claudicante, têm visões bolorentas
sobre a reforma agrária, praticam o radicalismo ambiental ou acham
que prioridade à educação é destinar mais dinheiro para as
universidades públicas e propor cotas raciais para ingresso no ensino
superior gratuito.
Talvez por padecer da mesma dificuldade, o PT está longe de iniciar a
caminhada para o centro, típica dos partidos socialistas europeus.
Basta ver a oposição à autonomia legal do BC e idéias estapafúrdias
como a apresentada no último congresso do partido, quase aprovada, de
recomendar a reestatização da Cia. Vale do Rio Doce.
Alguns analistas e muitos petistas acham que, se Lula for reeleito,
haverá uma guinada na política econômica. A meu ver, dificilmente
isso acontecerá. É baixo, assim, o risco de uma crise de confiança
semelhante àquela que nos atingiu em 2002, quando os mercados
acreditavam que Lula, eleito, seguiria as velhas diretrizes do
partido. Assim como Lula entendeu a realidade, os investidores
aprenderam que ele não vai cometer suicídio político.
É provável que na campanha Lula sinalize medidas irresponsáveis no
segundo mandato, sob o pretexto de dedicar-se mais aos pobres, na
velha linha do populismo econômico latino-americano, mas é pouco
provável que essas promessas sejam cumpridas. Se for reeleito, pode-
se esperar que a mediocridade continue, exceto na economia e outras
poucas áreas. Até existem incentivos para melhorar, mas isso é outra
história.