Máfia pagava até prostitutas; desta vez, elas não são chamadas de "recepcionistas", mas de "éguas'
Quando você ouvir alguém dizer que o Congresso virou um “puteiro”, a referência pode ser literal. As “recepcionistas” estão de volta. Por Sônia Filgueiras, no Estadão deste sábado: “O depoimento do empresário Luiz Antônio Vedoin à Polícia Federal é um verdadeiro manual sobre as engrenagens da corrupção no setor público. Um dos donos da Planam, principal empresa da máfia dos sanguessugas, Vedoin descreve com clareza o esquema de venda de ambulâncias superfaturadas em seus três braços: governo federal, Congresso e municípios. O esquema floresce da ineficiência do poder público: a máfia inicia os negócios timidamente, em 1999, quando a família Vedoin percebe a dificuldade das prefeituras em ter acesso a ambulâncias bancadas pelo Orçamento da União. Os contatos com os parlamentares foram se multiplicando por meio de apresentações de deputado em deputado, indicações de assessores, reuniões com prefeitos. Tudo regado a presentes, pequenas ajudas de custo e propinas graúdas dirigidas aos parlamentares. Entre os presentes, carros, ônibus, carretas e depósitos em dinheiro (foram R$ 2 mil pelo aniversário do deputado peemedebista Cabo Júlio, de Minas). Segundo uma autoridade que acompanha as investigações, os agrados incluíam o financiamento de festinhas de fim de ano e até gastos com prostitutas (identificadas como "éguas" nas anotações do esquema).”ESTADO
Quadrilha pagava até prostitutas para parlamentares do esquema
Ineficiência do poder público abriu espaço para fraudadores, que ampliavam contatos com presentes e dinheiro
Sônia Filgueiras
O depoimento do empresário Luiz Antônio Vedoin à Polícia Federal é um verdadeiro manual sobre as engrenagens da corrupção no setor público. Um dos donos da Planam, principal empresa da máfia dos sanguessugas, Vedoin descreve com clareza o esquema de venda de ambulâncias superfaturadas em seus três braços: governo federal, Congresso e municípios. O esquema floresce da ineficiência do poder público: a máfia inicia os negócios timidamente, em 1999, quando a família Vedoin percebe a dificuldade das prefeituras em ter acesso a ambulâncias bancadas pelo Orçamento da União. Os contatos com os parlamentares foram se multiplicando por meio de apresentações de deputado em deputado, indicações de assessores, reuniões com prefeitos. Tudo regado a presentes, pequenas ajudas de custo e propinas graúdas dirigidas aos parlamentares. Entre os presentes, carros, ônibus, carretas e depósitos em dinheiro (foram R$ 2 mil pelo aniversário do deputado peemedebista Cabo Júlio, de Minas). Segundo uma autoridade que acompanha as investigações, os agrados incluíam o financiamento de festinhas de fim de ano e até gastos com prostitutas (identificadas como "éguas" nas anotações do esquema).
A máfia se sustentava a partir do poder de barganha dos parlamentares de apresentarem emendas individuais e de bancada, mas os governistas tinham seu poder turbinado, já que, votando a favor dos interesses do Executivo, conseguiam ter suas emendas liberadas mais rapidamente e com menos cortes. Nas proximidades da votação do orçamento, os Vedoin iniciavam uma campanha pelos corredores da Câmara, contatando parlamentares e pedindo emendas em favor da compra de ambulâncias, equipamentos médicos e ônibus destinados aos programas de inclusão digital.
As reuniões com os integrantes do esquema se davam nos próprios gabinetes, em geral com a presença dos parlamentares ou de assessores de confiança, nas quais os deputados apontavam os municípios aos quais o dinheiro seria destinado, acertavam os detalhes sobre a fraude nas licitações para garantir que uma das 18 empresas do esquema fosse vitoriosa e negociavam as propinas a serem pagas por cada emenda (em geral de 10% sobre o valor a ser direcionado). Alguns parlamentares eram mais vorazes. Conforme o relato de Vedoin, o deputado Reinaldo Gripp (PL-RJ) chegou a pedir 30%. Não deu acordo.
Segundo Vedoin, na maioria dos casos, os deputados levavam propina, mas os prefeitos, nem sempre. E todos estavam cientes do crime de direcionamento nas licitações. Uma vez acertado que a máfia tinha determinada emenda, a Planam punha sua equipe para trabalhar o pacote: elaborava os projetos que pediam a compra dos equipamentos, apresentava-os aos ministérios competentes, acompanhava sua aprovação, cuidava da elaboração e publicação dos editais das licitações nos jornais e tratava, depois, da redação de todos os documentos destinados ao recebimento do equipamento vendido.
COMPENSAÇÕES
Para garantir a vitória nas concorrências, o grupo pagava compensações (R$ 2 mil a R$ 4 mil, conforme o depoimento) a concorrentes, ou se comprometia a entrar em licitações futuras apenas para "dar cobertura" aos ganhadores - ou seja, apresentar uma proposta perdedora, só para fazer número. Para apressar a liberação dos recursos, o esquema contava com colaboradores no Executivo, como a ex-funcionária do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino. No governo Lula, lançou mão de petistas bem entrosados, como José Airton Cirillo, candidato a deputado pelo Ceará e integrante do Diretório Nacional do partido.
Do superfaturamento, saía o dinheiro para a distribuição de propinas a parlamentares, assessores, prefeitos e, em alguns poucos casos, a integrantes das comissões de licitação. Os pagamentos eram em dinheiro vivo, depósito na conta de assessores, parentes ou terceiros indicados pelos parlamentares, em geral em parcelas: 2% ou 3% na realização da emenda; 2% ou 3% no empenho e o restante quando a verba saía para o município. A forma de entregar o dinheiro dependia. O deputado Almir Moura (PFL-RJ) escolhia receber as comissões sempre no restaurante Cuca's, em Duque de Caxias.
Organizadíssimo, Vedoin arquivava os comprovantes e anotações das propinas em pastas identificadas pelo número do gabinete do parlamentar em Brasília. Segundo autoridade que acompanha as investigações, são arquivos fulminantes para pelo menos 50 dos acusados.