Pavio curto e pavio apagado
Poucas vezes Lula terá sido mais ele do que no primeiro (do ponto de vista oficial) comício da campanha eleitoral propriamente dita. Até ali, os dois - o presidente e o candidato - se revezavam em cena por motivo das restrições legais. Só então o presidente assumiu, para valer, o papel de candidato exercido disfarçadamente. Agora, o presidente e o candidato ficam à vontade para inaugurar obra alheia ou mesmo já inaugurada. Se tem obra começada, inaugure-se. Se só existe no papel, inaugure-se assim mesmo. Não importa que seja de governo anterior.
Do ponto de vista eleitoral, o presidente se apresenta em plena forma, conforme atestam as pesquisas e as derrapagens. Em Brasília Teimosa, Lula avisou que não contem com ele para fazer jogo rasteiro. Deu a palavra de que não baixará o nível, mas deixou para especificar na prática onde começa o baixo e onde termina o alto nível. E arrematou a profissão de fé: "Não aceitaremos que determinadas pessoas me chamem de desonesto". Pena que não tenha dado nome aos bois.
Até hoje Lula confunde a primeira pessoa do singular com a primeira do plural. Os verbos passam apertos para poupá-lo de constrangimentos. Lula ora é um, ora é outro. Já vimos que o presidente não faz cerimônia em começar uma frase na primeira pessoa do plural ("não aceitamos") e, sem se alterar, engrenar a primeira do singular ("que me chamem de desonesto"). Afinal, de que maneira Lula não aceita? Ficou devendo a explicação sobre o modo de recusar suspeita.
Não é difamação, calúnia ou injúria, por exemplo, dizer em mesa de bar que Lula confunde as pessoas gramaticais. Escorregou há pouco quando lançou pela televisão um "gratuíto" que ficou doendo nos ouvidos. Dias depois, o ministro da Educação confirmava a pronúncia presidencial. A vacina - lembrava Fernando Hadad - era "gratuíta". Mas podia, pelo menos, ser pronunciada corretamente, sem comprometer a prioridade de Lula para a educação no segundo mandato.
No primeiro comício, Lula foi tão claro como aquele candidato que, ouvindo falar de eleição, desembarcou em Maceió para lançar sua candidatura a governador de Alagoas depois que o Estado Novo desmoronou. O pretendente avaliou a situação e se apresentou aos pedestres. Junto à estátua do marechal Floriano Peixoto (a cavalo, claro), impecavelmente vestido com terno de linho branco, começou o discurso com voz pausada: "Vim de branco para falar claro". A primeira impressão foi favorável. E, com entonação cívica, dirigiu-se respeitosamente à estátua eqüestre: "Quero ouvir do próprio marechal a última palavra: Devo, ou não, ser candidato?".
Floriano, evidentemente, tinha razões para não se comprometer. O candidato deu tempo ao tempo e concluiu: "Quem cala, consente. Sou candidato". O orador foi barrado pela História e teve de se contentar com o folclore.
Entre o candidato alagoano e o presidente pernambucano a diferença é óbvia. Lula não gosta de folclore. E, no estado político atual, nem faz cerimônia. Uma centena de deputados apanhados em flagrante de corrupção coletiva é uma festa. Todos os suspeitos garantem que vão provar inocência. Haja inocência. Só um país com essa ordem de grandeza em corrupção admite culpa inocente. Inocência mesmo dispensa provas.
"Eu quero governar o Brasil mais quatro anos", anunciou Lula ao inaugurar a campanha em que passaram a se alternar a candidatura explícita e a Presidência implícita. Ele gosta mais de eleição que de governo. Ficará satisfeito com a reeleição mas, como não é um presidente de resultados, o eterno candidato à espera de eleição vai pensar melhor.
Lula ainda fez saber aos seus detratores que doravante terão de contar até 10 antes de o acusarem. É pouco. Pode botar 100 ou 200 nessa conta. "Não tenho que prestar contas a eles", derrapou o candidato. Como não, presidente? Presidentes da República não são eleitos para governar seus eleitores mas todos os brasileiros. De resto, governantes não prestam contas com números, mas com exemplos.
Mas Lula não perde oportunidade: "A gente não pode continuar engolindo sapo como se a eleição já estivesse ganha". E, reflexivo, um tom abaixo da veemência rouca: "Não dá para aceitar tudo calado, com medo da lei eleitoral". É Lula inteiro, de corpo e alma.
Como não dá? A lei eleitoral é para ser aplicada, sim, senhor. Não é por acaso que se destacam, clinicamente, dois Lulas inconciliáveis: o que se proclama democrata de pavio curto e o socialista de pavio apagado.
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