O GLOBO
Já faz acho que duas semanas que voltei da Alemanha, aonde fui para não lembro bem o quê, e tenho sensações estranhas e às vezes penso que estou sonhando. Talvez seja apenas o despertar ou a exacerbação da sensibilidade trazida por quase um mês e meio de vida, para lá e para cá, num país estrangeiro e tão desenvolvido, ainda mais com a seleção jogando daquele jeito esquisitíssimo (todo mundo concorda em que aquilo foi anormal, não importa que explicação se escolha). Não sei o que é, afinal. É um troço que tem dado em mim e espero que em pelo menos alguns de vocês, não porque lhes deseje mal, mas porque, se alguém partilha de minha condição nem que seja um pouco, fico menos intranqüilo quanto à minha relativa sanidade mental.
Cheguei com saudade do Leblon, dos amigos, desta minha toca aqui e seu valoroso computador (dez a zero no do Zé Rubem Fonseca), cheguei já dando risada. Mas aí começaram as sensações estranhas. A primeira delas foi que o país é ou está um país broxa. Gostaria de usar um adjetivo menos grosseiro, mas não consegui encontrá-lo. A distância experimentada durante o quase mês e meio que passei fora me lançou na cara o que talvez não me trouxesse impacto tão forte, se não fosse o afastamento.
No começo, pensei que era somente pela Copa, cuja importância, é claro, não pode ser subestimada. Mas não era. Pelo contrário, do mesmo jeito com que outros povos não gostam de lembrar certos fatos de seu passado, não encontrei muita gente interessada em falar na Copa. Encontrei cinismo e broxura, broxura geral, falta de entusiasmo, resignação fatalista, vagas vontades de emigrar.
Claro, muita coisa há de vir por aí, mas as eleições por enquanto só provocam suspiros de desalento, pedidos para que se mude de assunto e perguntas sobre em quem votar, meu Deus do céu. Ninguém duvida de que Lula se reeleja, todos têm certeza de que passaremos mais quatro anos assistindo ao mesmo filme e — o que é ainda muito pior e deve valer à nossa geração alguns anos a menos de Purgatório — com a mesma trilha sonora. E ninguém quer votar em ninguém, todo mundo reclama porque o voto é obrigatório, ninguém sabe em quem vai votar para cargo algum.
E tudo é a mesma coisa, enfim, as mesmas moças e novas moças todas mostrando o que já não há mais pose para mostrar, nenhum homem se dando mais ao trabalho de virar o pescoço para ver de costas a morena que passou, somente os quirômanos (dicionário, hoje é dia de exercício outra vez) se interessam mesmo pelas tais revistas e todo mundo pede para mudar de canal quando aparece algum “deles”. O futebol é ruim, as notícias são ruins, ninguém parece mais afetar-se, é isso mesmo, é o nosso carma.
Acabamos nos acostumando e talvez venhamos a nos acostumar a muitas outras situações que antes nunca nos viriam à mente. São Paulo, uma das maiores cidades do mundo e de longe o nosso centro urbano mais poderoso, está numa situação gravíssima. Mas noto que até paulistas estão começando a achar tudo normal, faz parte da vida, um dia muda. Ou então não muda, o mundo vai acabar mesmo, de qualquer forma.
E certamente alguém fará alguma coisa. Talvez, contrariando o tradicional e burro bairrismo entre as duas cidades, surja no Rio um movimento sério para solidarizar-se com os paulistas. O Rio já tem boa experiência nesse setor de atuação político-cívica contundente e é bem possível que algum carioca ativista já esteja coordenando voluntários para abraçar simbolicamente São Paulo. Todos, com as caras pintadas de verde e amarelo e carregando bandeirinhas nacionais e paulistas, abraçariam, por exemplo, o Ibirapuera. Não, pensando bem, isso talvez seja ambicioso demais. Abraça-se a Estação da Luz, com os Demônios da Garoa cantando “Trem das Onze” — e o dever que nos compete estará eficazmente cumprido. O resto é com “eles”.
Apenas impressões talvez, quem sabe o momento de depressão que me vem depois de ler os jornais. Mas tenho certeza de que não estou inventando essa letargia, esse marasmo humilhado, esse cinismo geral, essa falta de espanto com o abandono e eliminação dos nossos valores sociais e morais. É isso mesmo, todo mundo é ladrão, quem quiser que se vire, qualquer mulher fica pelada se pagarem o que ela quer, tem que sair com o do assaltante para tentar não tomar tiro, todo filho tem que ter celular e tudo pode acontecer.
De minha parte (venho pensando seriamente em escrever um livro de auto-ajuda — auto-ajuda basicamente para mim mesmo, é claro), ofereço a vocês o excelente paliativo que me foi sugerido por um companheiro de boteco, eis que minha mesa de boteco é das mais didáticas entre as suas incontáveis congêneres na cidade do Rio de Janeiro.
— Eu já resolvi esse problema da realidade nacional — disse ele. — Se todo brasileiro tomasse minha atitude, ia haver muito menos estresse.
— E qual é sua atitude?
— É muito simples, eu acredito em tudo. O sujeito diz na TV, diz no jornal e eu acredito. Propaganda enganosa, o que for, eu acredito.
— Mas isso não é possível. Tem muita coisa que está na cara que é mentira.
— Aí eu acredito na versão oposta também. O negócio é acreditar em tudo.
— Mas, se você acredita numa coisa e também acredita na versão oposta, você não acredita em nada.
— Exatamente — disse ele. — Só que de maneira positiva.
Entrevista:O Estado inteligente
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