Devo admitir que ando um pouco nervoso, com essas eleições que vêm aí. Há várias razões para meu estado de espírito, algumas das quais, suspeito eu, meio disfarçadas até para mim mesmo, tanto que nem consigo formulá-las direito. Em momentos inesperados, entro num estado aproximado do que leio descrito como síndrome do pânico - a sensação de uma iminência sinistra cujo teor exato desconheço, mas que me assusta. Tenho que parar e fazer uma autolavagem cerebral, remoer umas filosofias baratas sobre a fugacidade da existência e lembrar que não adianta nada ficar nervoso, porque o que tiver de acontecer acontecerá e em bem pouco ou nada posso influenciar o futuro.
Há quem julgue que eu posso e me chame, no que me deixa sempre sem graça, de "formador de opinião". Para mim é uma expressão pretensiosa, notadamente porque acho que, no máximo, quando estou num dia bom, concateno e veiculo opiniões que já existem. Acredito nos leitores que me dizem que, em tal ou qual dia, eu escrevi exatamente o que eles pensavam. "Lavou-me a alma", me dizem com freqüência - e isto minha pequena vaidade me faz aceitar como verdade. Já é muito; é, na realidade, um privilégio. Mas formar opinião, creio eu, é outra coisa, bem mais funda, que não tenho a veleidade de me meter a fazer.
Talvez porque a campanha não tenha pegado (pegará?) grande embalo ainda e possamos estar, digamos, num período de entressafra, até o momento não fui contatado por nenhum representante de conspiração ou conluio delinqüente, para formar opiniões. Os chamados jornalões, para alguns dos quais escrevo, não me passaram nenhuma orientação. Nem a CIA, nem o Mossad, nem o Hezbolá me procuraram. A ABL não vota em bloco. Nenhum político me ofereceu dinheiro e empregos para a família, em troca de discreto apoio. A única entidade profissional a que pertenço é o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia, que tampouco me passou diretrizes eleitorais de raízes corporativistas, ou quaisquer outras. Se já criou um mensalão para formadores de opinião, me incluíram fora dessa, devo ser tido como favas contadas por todo mundo. Também não faço parte de ONGs, não milito em nada, mal saio de casa e nem bingo eu jogo.
Isso não impede, é claro, que já tenham até me chamado de porta-voz de dr. Fernando Henrique, acusação tão amalucada que não dá gosto nem refutar. Outro dia, ainda antes da definição do candidato do PSDB, soube por e-mail que eu tinha tido uma reunião com o dr. Serra e acertara tudo para a emissão de um manifesto favorável a ele. Foi um custo explicar que até hoje só vi o dr. Serra na televisão e nunca pensei em manifesto de qualquer espécie, não sou muito manifesteiro. Um anônimo que antigamente era bem assíduo me via como um "corrompido quase total", se não fosse pela minha adesão, ainda leal, ao comunismo, a minha "verdadeira religião". Não faz uma semana, me puseram numa lista de eleitores de d. Heloísa Helena, que não sei se foi publicada e ignoro igualmente a quem foi que eu teria dito isso.
Há até quem sustente que sou teledirigido pelo dr. Antônio Carlos, sem descartar-se um pequeno estipêndio que ele deve me remeter toda semana, para garantir minha fidelidade. Os baianos, como se sabe, são uma máfia e, se eu for bem entrelinhado, qualquer um notará minha condição de megafone do dr. Antônio Carlos. E quanto ao PT, a que eu pertencia e acabei traindo vilmente, desligando-me antes de sofrer o desgaste da expulsão ignominiosa? Soube disso também via e-mail, realmente eu não devo valer nada.
Diante desse panorama, gostaria de fazer uma declaração de voto, para deixar as coisas bem claras e, se eu vier a fazer o contrário, me chamarem de mentiroso, embora mentir com desenvoltura esteja se transformando numa arte nobre "neste país". A declaração é a seguinte: nesta coluna, ou onde possam ser afetadas sua independência e credibilidade, não vou declarar voto para candidato algum, a posto algum. Tampouco vou fazer propaganda eleitoral de ninguém, nem ser porta-voz de grupos formalizados ou indivíduos, como, aliás, sempre foi minha norma.
Isto não quer dizer que eu me presuma acima de preferências, opiniões ou até noções preconcebidas ou simplesmente errôneas. Não me pretendo um observador isento da realidade, nem um detentor da verdade, que a aplicará imparcial e implacavelmente aos "observados", ou seja, todo mundo. Claro que não posso estar fora dos "observados", pois, ao mesmo tempo que os observo, sou um deles. E, enfim, não quero converter ninguém, nem me arrogo a pretender afetar as convicções de quem lá seja.
É claro também que sou um cidadão como outro qualquer. Assim, tenho minha maneira de pensar, partilhada, em graus variados, com muita gente. E, certamente vou escrever coisas que poderão ser vistas como favoráveis ao candidato A ou B, ou contra um deles. E não é improvável que quem veja isso tenha razão, pois a neutralidade é em rigor impossível, nem eu vou mudar minha maneira de pensar por ela coincidir ou não com a de um candidato.
Mas não vou mesmo fazer campanha, não vou declarar voto, vou procurar não aplicar dois pesos e duas medidas em relação aos defensores das idéias e ações que coincidem com meu pensamento, contra seus opositores. Vou escolher meus candidatos tão criteriosamente quanto possível e vou votar tão discretamente quanto possível. Espero somente - Deus seja servido - não vir a ter de novo a sensação de que foi pensando em meu caso que cunharam a frase "o brasileiro não sabe votar", porque raramente dou uma dentro. Ou seja, espero não errar a mão outra vez.