Pesquisa não revela surpresas. Espantosa era a crença em vitórias fáceis
Uma coisa são os números, outra coisa são as circunstâncias. Os
diretores de institutos de pesquisas e, diga-se, uma boa leva de
gente com poder de influência no pensamento e na comunicação, talvez
por dever de ofício, costumam ignorar os dados da realidade dando
excessiva - quando não exclusiva - atenção aos índices.
Com isso, acabam levando o eleitorado a raciocinar com base no mesmo
cacoete. E, assim, quando as pesquisas começam a se mover na direção
da realidade as alterações de cenário causam espanto.
São recebidas com surpresa quando na verdade surpreendente era a
crença inabalável no poder e na imutabilidade dos números. Como se
tivessem vida própria.
Aconteceu por ocasião da recuperação dos bons índices do presidente
Luiz Inácio da Silva no primeiro semestre, depois de um fim de ano de
baixa acentuada, e ocorre de novo agora, quando as pesquisas
registram todas - algumas até para prudentemente "ajustarem-se" às
outras - a consolidação da tendência de uma eleição em dois turnos.
De imediato surgem as indagações - "Como é que pode?" -, correm todos
em busca de explicações das simplistas (efeito da publicidade) às
mais elaboradas (conseqüências da ação do crime organizado em São
Paulo) para a subida de Alckmin, descida de Lula e entrada de Heloísa
Helena no jogo eleitoral.
Espantoso de fato seria se aquele cenário anterior se mantivesse até
a eleição, que, segundo análises da época, só um desastre total (um
tsunami, como gostam de se referir desde a popularização do fenômeno)
poderia mudar.
Nada mais artificial e enganador. As circunstâncias apontavam
exatamente para uma situação mais equilibrada em função da correlação
de forças no meio ambiente político e social.
Em primeiro lugar seria em tudo e por tudo absolutamente impossível
que a crise provocada pelos escândalos de corrupção não tivesse
efeito algum sobre as eleições.
As conseqüências aparecem agora e muito potencializadas pelo fato de
o governo em geral e o presidente da República em particular terem
ficado indiferentes a essa evidência acreditando-se tão poderosamente
acima do bem e do mal (principalmente do mal) que poderiam se dar ao
direito de ignorar a questão moral.
E aí, se cometeram diversos desvarios na seara governista: abrigo
desabrido aos mensaleiros, desprezo explícito à influência do tema na
eleição, afrontas repetidas à legislação eleitoral e, para culminar,
a volta à origem do escândalo entregando os Correios ao PMDB.
Sob qual justificativa? Rigorosamente nenhuma além do fisiologismo
(na melhor das hipóteses) deslavado. A menos que a aliança
programática alegada pelo governo tenha por propósito um bem
elaborado programa de entrega de correspondências, capaz de pôr o
Brasil no rumo do desenvolvimento.
A aliança partidariamente forte do principal adversário de Lula é um
outro fator que indicava uma mudança de cenário. PSDB e PFL
governaram o Brasil anos a fio e comandam os três principais Estados
do País.
Conta na mexida das pesquisas, também, o previsível sucesso de
Heloísa Helena, ao qual não se deu o devido peso antecipado.
Por fim, foi desprezado o mais primário dos fatores: a
impossibilidade de uma vitória fácil, de véspera. Tentação da qual
conviria também a oposição fugir antes que comece a dar excessivo
crédito a uma trajetória ascendente definitiva, pois os números
também carregam recados importantes.
E o mais substancial revelado nesta última rodada do Ibope foi a
existência de 38% de indecisos na pesquisa espontânea. Trata-se de
muita gente a conquistar antes de descansar.
ATALHO
Na impossibilidade de falar direto ao coração do nordestino mais
pobre, a campanha de Alckmin tentará falar ao bolso da classe média
da região com projetos de desenvolvimento. A esperança é que muitos
destes acabem influenciando alguns daqueles.
NA RAIA
O senador Heráclito Fortes provocou, e o senador Eduardo Suplicy
aceitou, um debate ontem no plenário do Senado a respeito do
cumprimento do candidato ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante,
a um manequim de vitrine dia desses em evento de campanha.
Suplicy notava a intenção jocosa do pefelista, mas não tinha jeito,
já havia entrado na discussão para defender o companheiro de partido
e foram os dois quase às gargalhadas. Para quem assistia, o mais
engraçado era o esforço - bem-sucedido - de ambos para manter a
seriedade da discussão a despeito do tema.
Aliás, Suplicy defendendo causas impossíveis por honra da firma, com
os adversários atiçando sua coerência em contraposição às estripulias
éticas de seu partido, é uma atração à parte na TV Senado. Inclusive
pela ausência de petistas dispostos a ajudar o companheiro no ringue.