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COLABOROU DANIELLE CHAVES
Maria Elvira Ferreira trabalha numa empresa de pesquisas de mercado e é casada com um químico, funcionário de um laboratório farmacêutico. Tem dois filhos (menino de 16 e menina de 13 anos) e uma renda orçamentária familiar de cerca de R$ 6 mil mensais.
Ela não acredita em índices de inflação. Garante que dá um duro danado, economiza “como antigamente”, mas que, apesar disso, todos os meses a conta bancária estoura antes do dia 30. “A inflação real é muito mais alta do que dizem os números” - sustenta Maria Elvira. (O nome é fictício; o resto, não.)
O que ela talvez não esteja entendendo é que as despesas com serviços e produtos que há dez anos não existiam estão crescendo, não porque tenham subido de preço, mas porque se tornaram agora itens indispensáveis na vida da família.
O celular está nessa história. Se três pessoas de uma família de quatro passam a vida a bordo de um celular, pode escrever que a conta dificilmente é inferior a R$ 400 por mês. A despesa com telefone fixo também aumentou, não porque a tarifa subiu, mas porque cada vez mais gente no Brasil só é encontrável pelo celular e cada ligação para celular come coisa de R$ 1.
Com uma renda mais alta, uma família tem TV a cabo, iPod, internet, computador, que não dispensa impressora, papel e tinta (que não se compra por menos de R$ 70 por cartucho), assistência técnica a cada “pau da máquina”. Quase nenhuma dessas despesas tem mais de dez anos nos orçamentos das classes médias brasileiras.
A mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) feita no Brasil foi publicada pelo IBGE em 2004. Nela já foi possível verificar, por exemplo, o aumento dos gastos com telefonia. O item Serviços e Taxas, onde estão as despesas com celular, telefone fixo, TV a cabo e internet, mostra que eles correspondem a 8,55% da renda mensal de uma família que ganhe entre seis e oito salários mínimos (entre R$ 2,1 mil e R$ 2,8 mil), enquanto na pesquisa anterior (de 1996) representavam 7,67%.
Como é incerto o futuro profissional de um mero monoglota, as famílias de classe média que podem não dispensam cursos de línguas ou de especialização. A POF indica que as despesas com Cursos Extras passaram de 0,36% para 0,39%.
Outra mudança ocorreu na área da beleza. É só dar uma espiada nos potes de creme e vidros de xampu enfileirados no armário do banheiro ou na penteadeira de uma dona de casa. E não é só isso. “Há alguns anos, as mulheres só iam ao cabeleireiro em ocasiões especiais. Não era como hoje, uma vez por semana. E há a multiplicação de produtos destinados ao público masculino”, observa Fábio Gallo, professor de Finanças Pessoais da Fundação Getúlio Vargas.
Pelos dados do IBGE, a conta mensal com Higiene e Cuidados Pessoais nas despesas totais da mesma faixa de consumo cresceu de 1,96% para 2,17%. As informações da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) são de que o setor cresceu no País em média 10,7% ao ano nos últimos cinco anos.
Como beleza puxa beleza, caímos nas despesas, cada vez mais indispensáveis na busca da eterna juventude, com esportes, aplicações de botox e coisas do gênero, especialmente no estratos mais altos. A mensalidade numa academia não sai por menos de R$ 200.
Outra despesa que merece destaque é a aplicada em segurança e por causa da segurança. Poucas pessoas se dão conta do quanto têm despendido a mais em portão elétrico, câmeras de vigilância e porteiro eletrônico. Na POF, estão somados no item Habitação, que correspondia a 22,91%, em 1996, e chegou a 32,46%, em 2003.
A lista não pára por aí. Conforme o caso, o seguro anual está ultrapassando os 10% do preço do carro. O de uma moto passa dos 40%.
As multas que a prefeitura e a Polícia Rodoviária estão aplicando são uma paulada. O seguro-saúde está ficando insuportável, não porque os médicos estejam ganhando mais, mas porque a tralha tecnológica se ampliou e porque não há mais diagnóstico sem uma batelada de exames clínicos.
Pior de tudo, há oito anos, a carga tributária era de 30% da renda do brasileiro; hoje está chegando nos 40%. É o governo metendo a mão na carteira de cada brasileiro, às vezes de maneira sutil, como acontece com a CPMF. E dona Maria Elvira não se dá conta disso.