Merval Pereira - Uso da máquina |
O Globo |
28/7/2006 |
Pode ser criticável, mas é normal que candidatos à sucessão presidencial usem escândalos para atacar seus adversários. Assim, a senadora Heloísa Helena, de acordo com seu perfil de candidata da ética, saiu atirando para todos os lados, dizendo que a corrupção dos sanguessugas é culpa tanto do governo Lula quanto do de Fernando Henrique. Da mesma forma, o candidato tucano Geraldo Alckmin classificou o governo Lula como a matriz da corrupção. Preocupante, porém, é o uso do governo para atacar os adversários, enquanto o presidente-candidato finge-se de isento na questão. O caso da entrevista coletiva convocada por dois ministros — o da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e o corregedor-geral da União, Jorge Hage — para atacar o governo anterior, tentando transferir para ele a maior parte da responsabilidade do esquema, é escandaloso do ponto de vista republicano, termo tão ao gosto do ministro Thomaz Bastos, mas tão distante de suas práticas recentes. É a máquina estatal a serviço de uma candidatura. Essa manobra eleitoreira ocorreu poucos dias depois de o presidente do PT, Ricardo Berzoini, ter insinuado, sem indício de prova, que o ex-ministro da Saúde José Serra, candidato tucano ao governo de São Paulo, poderia estar envolvido no caso. Não importa que tenha sido um fiasco a tentativa de dividir responsabilidade por mais um esquema de corrupção, e sim o uso da máquina estatal em benefício do candidato-presidente. O presidente Lula, em entrevista ontem à CBN, tentou inverter a situação a favor do governo, alegando que a corrupção só está aparecendo mais porque o governo está apurando. Na verdade, as denúncias mais graves surgidas nos últimos tempos não tiveram início em investigações governamentais. O mensalão nasceu de denúncias da imprensa sobre corrupção nos Correios, que provocaram uma entrevista do ex-deputado Roberto Jefferson contando tudo. O primeiro grande escândalo do governo Lula, envolvendo o então assessor do Gabinete Civil Waldomiro Diniz em subornos relacionados a jogos eletrônicos, também surgiu da imprensa. O atual caso dos sanguessugas nasceu da atuação do juiz Jefferson Schneider, da Justiça Federal de Mato Grosso, e do procurador Mario Lucio Avelar, do Ministério Público. A Controladoria Geral da União (CGU) teve papel secundário no processo, detectando indícios de irregularidades que já eram investigados pelo Ministério Público, e a Polícia Federal atuou para prender os envolvidos por orientação da Justiça. Os dados que os dois ministros apresentaram ontem à imprensa, e haviam sido enviados à CPI, não contêm novidades, diante da imensa investigação que foi feita pela Justiça de Mato Grosso. Mesmo a CPI, que está fazendo a maior devassa já registrada no Congresso Nacional, só foi adiante pela pertinácia de três políticos: os deputados Raul Jungmann e Fernando Gabeira e a senadora Heloísa Helena. O presidente do Senado, Renan Calheiros, aliado incondicional do governo, tentou evitá-la, e até hoje nem ele nem o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, tiveram atitudes à altura da maior crise já vivida pela instituição. Até o momento, a atuação da CPI, que por sinal é presidida por um petista, tem sido irretocável no sentido de não politizar a questão. Logo no início tomaram duas decisões: não politizar nem permitir que o corporativismo prejudicasse as investigações; e não convocar ministros nem ex-ministros. Pelas informações da CPI, a atuação da Planam — empresa dos Vedoin que pagava comissões a políticos em troca de emendas para compras superfaturadas de ambulâncias — foi residual de 1999 a 2001, até o grande salto, em 2002, quando, segundo Luiz Antônio Trevisan Vedoin, os políticos resolveram se utilizar do esquema para fazer caixa dois e financiar suas campanhas. Segundo a CGU, a Planam teve a ver em 2000 com 28% dos convênios firmados com prefeituras para a compra de ambulâncias, e esse percentual subiu para 51% em 2002. No governo Lula, a participação da Planam em convênios caiu para 24,39%, em 2003, e para 16,17%, em 2004, o que indicaria que as fraudes agora descobertas seriam menores que em governos anteriores. Acontece que, na prática, não há provas, pelo menos por enquanto, de que os casos de superfaturamento aconteceram sempre. A tentativa de incluir José Serra, ministro da Saúde em 2002, na lista dos suspeitos é infrutífera por uma razão: o próprio Vedoin disse, no depoimento na Justiça, que fez contato no governo Lula para poder receber as verbas das ambulâncias que havia entregado e pelas quais não recebera pagamento. Foi aí que entrou em contato com o então presidente do PT no Ceará, José Airton Cirilo, que serviu de intermediário com o ministro Humberto Costa para a liberação de R$ 8 milhões para a Planam, em troca de R$ 400 mil pela intermediação. Já na gestão de Saraiva Felipe, a Planam conseguiu “plantar” no ministério uma funcionária, Maria da Penha, que, com o apoio de políticos do esquema, “agilizava” os processos, sempre em troca de comissões. O deputado Raul Jungmann, que classifica de “patético” o papel dos dois ministros, diz que, pelos dados da Justiça de Mato Grosso, o esquema envolveu muito mais dinheiro no governo Lula do que no governo anterior, “mas nós não estamos interessados nessa conta. Não há um membro da CPI que esteja acusando o governo. Nós estamos interessados em limpar o Congresso”. |
Entrevista:O Estado inteligente
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