Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 29, 2006

VEJA André Petry


Preconceito, o eleito

"Só um cego não percebe que parte do
eleitorado torce, sim, o nariz para Lula
com base em velhos preconceitos: porque
é nordestino, porque vendeu amendoim
no porto, porque foi operário, porque passou
lua-de-mel em Poços de Caldas, porque é monoglota"

Num país em que já há preconceitos de sobra – contra negros, homossexuais, mulheres, pobres –, devia ser crime de lesa-pátria fazer demagogia com preconceito. Mas é o que está acontecendo agora mesmo nas fileiras do PT de Lula e do PSDB de Geraldo Alckmin. Sabe-se que a turma tucano-pefelista acha que bulir com preconceito pode render dividendos eleitorais e, por isso, já andou chamando Lula de bêbado e vagabundo. Lula, por sua vez, acha que apresentar-se como vítima de preconceito pode lhe dar voto. Na abertura de sua campanha, começou a fazer esse jogo. No seu primeiro comício de campanha, no Recife, reclamou dos "preconceituosos" que andam por aí "transmitindo ódio". Dois dias depois, ao inaugurar seu comitê eleitoral em Brasília, voltou a se dizer alvo do preconceito. "Neste país, não existe a cultura de aceitar as pessoas que representam outras camadas da sociedade", disse, numa óbvia referência a si próprio.

Os dois lados estão tomando banho de demagogia.

Só um cego não percebe que parte do eleitorado torce, sim, o nariz para Lula com base em velhos preconceitos: porque é nordestino, porque vendeu amendoim no cais do porto, porque foi operário, porque passou lua-de-mel em Poços de Caldas ou porque é monoglota, usa metáforas rudimentares e seu português exibe uma lataria dolorosamente avariada. O tucano-pefelismo, que não tem demonstrado pudor de jogar abaixo da cintura, trabalha justamente aí. Fica atiçando esses preconceitos mais ou menos latentes e, depois, entra numa torcida silenciosa para que se ampliem e acabem por ceifar alguns votinhos de Lula. Tática rasteira.

Agora, quando Lula insinua que sua reeleição está sob risco por causa do preconceito, dá até para gargalhar.

Ora, o pedaço preconceituoso do Brasil, seja qual for seu tamanho, perdeu na eleição de 2002. Ali, ficou provado que o eleitorado brasileiro era, sim, capaz de eleger um nordestino, retirante, ex-operário e com pouco estudo, numa manifestação democrática como poucos povos foram capazes de promover no mundo. Na disputa eleitoral, Lula deu um baile, com quase 20 milhões de votos de vantagem sobre o tucano José Serra, cuja biografia é quase um antídoto aos preconceitos socioeconômicos. Então, o que aconteceu? Por que o mesmo país que não foi preconceituoso em 2002 seria preconceituoso agora?

A resposta é simples: a ameaça à reeleição de Lula, pelo menos à sua reeleição já no primeiro turno, não tem nada a ver com preconceito. Tem a ver com mensalão, organização criminosa, enriquecimento de Lulinha, valerioduto, propina, caixa dois. Em suma, tem a ver com toda a bandalheira que o governo de Lula hospedou, e promoveu, e sobre a qual o presidente não teve a coragem de falar com a sociedade. Até hoje.

Então, é bom não se deixar enganar: há os preconceituosos que se aproveitam da falência ética de Lula para reforçar um preconceito que já existe – e há os eticamente falidos que se aproveitam do preconceito latente para se apresentar como anjos injustiçados. Os demagogos, como sempre, estão todos simulando virtudes.

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