A julgar pelas manifestações dos líderes do setor produtivo, o pacote cambial anunciado quarta-feira pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, provocou reações desencontradas.
Um grupo de dirigentes aplaudiu porque entendeu que as decisões, embora tímidas, caminham na direção correta, de redução de custos e simplificação de procedimentos. A maioria parece ter ficado decepcionada porque não haverá a esperada desvalorização do real.
Embora os autores da proposta o neguem, a verdadeira motivação para a elaboração do projeto de reforma cambial pela Fiesp foi mesmo criar condições de modo a reduzir o afluxo de dólares para o câmbio interno e, assim, conter ou até mesmo reverter o processo de valorização do real. Depois se viu que, para obter o efeito desejado, será preciso muito mais do que simplesmente alguma redução dos custos e da burocracia nas operações de câmbio.
Antes de prosseguir, convém ter presente que a medida provisória que deve pôr em vigor o pacote cambial ainda não foi assinada e seu texto final pode ainda conter surpresas. As autoridades adoram fazer anúncios prévios de suas decisões para avaliar a espuma produzida e só então bater o martelo sobre elas. Por isso, uma análise definitiva vai depender do conteúdo final do pacote.
Com alguma decepção, certos empresários se deram conta de que a simples redução de custos das operações cambiais pode estimular as exportações e de que esse estímulo tende a trazer mais moeda estrangeira, que, por sua vez, deve provocar nova rodada de valorização do real diante do dólar.
Este é um ponto importante, quase sempre ignorado nas análises. Quando os exportadores reclamam mais câmbio para estimular suas vendas ao exterior parecem se esquecer de que uma desvalorização cambial como pedem tende a produzir um aumento do faturamento com exportações e, no segundo momento, a provocar um novo ciclo de valorização do real.
Em todo o caso, esse efeito está ligado ao diagnóstico correto: no atual estágio da economia brasileira, o principal fator responsável pela valorização do real é o enorme saldo comercial, de US$ 44,8 bilhões em 2005, que tende a repetir-se em 2006, conjugado à melhora dos fundamentos da economia.
Outros apegam-se a diagnóstico diferente. Avaliam que são os juros altos que atraem capitais ou, então, que os retêm aqui, o que, por sua vez, empurra para baixo as cotações do dólar. Por isso, pedem uma rápida derrubada dos juros de maneira a desestimular a entrada desses dólares e, assim, reequilibrar as cotações no câmbio.
Essa questão foi algumas vezes comentada nesta coluna. Mas é preciso voltar a ela. Os juros altos ajudam a derrubar as cotações do dólar, mas, como não são o fator decisivo, não seria um corte drástico que conseguiria inverter a situação.
Ao contrário, se os juros caírem de maneira consistente e, mais do que isso, se o prêmio de risco Brasil seguir sua trajetória de baixa, a confiança externa será reforçada e, assim, será inevitável forte afluxo de dólares na economia brasileira.
E há ainda o efeito a ser causado pelo cobiçado grau de investimento. Quando as agências internacionais de análise de risco conferirem aos títulos de dívida do Brasil o grau de investimento, grande número de instituições que não podem correr nenhum risco nas suas aplicações passará a adquirir títulos da dívida brasileira. Quando isso acontecer, espera-se que em um ou dois anos, por simples efeito de aumento da demanda, os juros dos títulos brasileiros cairão. Mas, ao mesmo tempo, o maior afluxo de dólares tenderá a provocar mais valorização do real e não o contrário.
Não há hipótese de volta ao câmbio fixo; o Banco Central tem capacidade fiscal limitada para seguir comprando dólares e acumular reservas; a balança comercial seguirá fortemente superavitária; juros e prêmio de risco tendem a cair; os fundamentos da economia brasileira seguem melhorando. Nessas condições, como fica o câmbio?
Os dirigentes de alguns setores, como os da indústria têxtil, de calçados, de máquinas e do agronegócio, não escondem seu inconformismo: "Com esse câmbio não dá." E se, com esse câmbio que não vai mudar, não se vislumbram grandes possibilidades de reação das cotações do dólar, o que pode ser feito para reverter esse quadro?
O crescimento econômico mais forte deve puxar por mais consumo e por mais importações, efeito que já pode estar acontecendo. Mas talvez seja necessário mais. O diabo é que o empresário pega urticária só em ouvir falar em aumento das importações, porque teme a concorrência a seu negócio.
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, julho 30, 2006
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