Míriam Leitão - Gastos e eleições |
O Globo |
28/7/2006 |
“Absurdo, gravíssimo e inusitado”, são os adjetivos que o ministro Paulo Bernardo usa para definir a atitude do Congresso de não votar no prazo a Lei de Diretrizes Orçamentárias. “Imagine se não enviarmos o Orçamento no prazo legal, vai ter muita ação de crime de responsabilidade contra o presidente”, prevê. O governo está, neste momento, elaborando o Orçamento sem ter a Ldo aprovada. A lei dá ao Congresso o prazo até 30 de junho para votar a Ldo, que fixa os parâmetros para o governo fazer o Orçamento da União. Se o Congresso não votar a lei orçamentária, não pode sair em recesso. Os parlamentares decidiram contornar a obrigação: não votaram nem entraram oficialmente em recesso, mas a maioria saiu para suas campanhas ou férias. Quando a lei é obedecida, já é uma correria no ministério do planejamento para fechar tudo, despesas de todos os ministérios, e concluir o Orçamento, que tem de ser enviado ao Congresso no dia 31 de agosto. Esses dois meses são insuficientes para o volume de negociações internas e para análise de todos os dados. Pois bem, agora nem Ldo tem. — Decidimos preparar o Orçamento assim mesmo, usando como base o substitutivo que o Congresso fez, ainda que não o tenha votado. Se, na semana que vem, ele votar e alterar alguma coisa, teremos que correr aqui para adaptar tudo, porque em 31 de agosto somos obrigados a enviar o Orçamento. Acho isso tudo gravíssimo, um absurdo, uma coisa inusitada — diz Paulo Bernardo. Semana que vem, o governo deve pôr em audiência pública as duas primeiras Parcerias Público-Privadas, de construção das BRs 116 e 324. A dúvida é: por que colocar em audiência numa hora destas? O ministro diz que a consulta pública na internet é o primeiro passo para o edital e que o prazo mínimo é de 30 dias, mas ele acha que deveria ficar mais tempo para ser mais debatido. Perguntei se não é uma consulta pública só para inglês ver, para esconder que o governo Lula não conseguiu fazer nenhuma PPP em quatro anos. — É para os ingleses, os franceses, os americanos verem também pois queremos fazer um road show falando do nosso processo de Parceria Público-Privada. Demoramos muito para regulamentar tudo, mas, no mundo inteiro, também demorou. Vou agora propor aos investidores contrato de 15 anos para construção e exploração de uma estrada que atravesse a Bahia e, com empresários brasileiros, tenho que lutar contra a idéia de que é melhor investir em título público, que dá retorno de 15% ao ano. O processo pode começar agora, mas não tem nada a ver com a eleição. As despesas do governo cresceram mais do que as receitas, apesar dos impostos extraordinários como royalties , mas o ministro garante que está tudo sob controle e dá seus argumentos: o déficit da Previdência este ano pode ser menor que o previsto; as despesas com o auxilio-doença estabilizaram e começam a cair; no segundo semestre, as despesas serão menores por causa da eleição. Apesar da esperada tranqüilidade do ministro, os números do primeiro trimestre são de arrepiar: foram 14% maiores que no mesmo período de 2005, e as receitas, apesar do aumento de 10% , não conseguiram cobrir o aumento das despesas. E a arrecadação ainda teve a ajuda de receitas extraordinárias, como antecipação de dividendos de estatais e royalties . Não há contas públicas que agüentem um aumento permanente de gastos. Paulo Bernardo argumenta que, no segundo semestre, será diferente: — Até pela eleição, muita coisa não será feita; as despesas não aumentarão no mesmo ritmo. Não apenas por proibição de contratação de despesas, mas porque, em momento eleitoral, é melhor adiar mesmo. Mas as despesas crescerão ainda assim, pois foram tomadas decisões no primeiro semestre que vão continuar ampliando gastos nos próximos meses, como o aumento do salário-mínimo e os aumentos do funcionalismo. — Mesmo com o novo salário-mínimo, a Previdência pode ter um déficit menor que o projetado. Na Ldo enviada em 2005 sobre o orçamento de 2006, projetamos um déficit de R$ 43 bilhões e agora estamos prevendo R$ 41 bilhões. As despesas de auxílio-doença, que tinham explodido nos últimos anos, foram estabilizadas e podem ter uma pequena queda. O ministro Paulo Bernardo defendeu também outra idéia controversa que o governo tem discutido: a de usar o dinheiro do FGTS para investimentos em projetos de energia ou de infra-estrutura em geral. O presidente aprovou a idéia de criação de um fundo com parte do dinheiro do FGTS para financiar esses projetos. Há várias dúvidas sobre isso: primeiro, o dinheiro é do trabalhador e não basta o governo querer; segundo, o FGTS já é um fundo, não faz sentido fazer um fundo com o Fundo; terceiro, é preciso garantir que os recursos estarão disponíveis para o trabalhador quando ele puder sacar. O ministro contra-argumenta: — Estamos começando a discutir, mas, para tomar qualquer decisão, é preciso passar pelo Congresso e ainda ter a aprovação do conselho curador. Hoje o FGTS tem um patrimônio líquido de R$ 22 bilhões, que poderiam estar em projetos que criam emprego e poderiam até remunerar mais o trabalhador do que os atuais TR mais 3% ao ano. Como diria o Ancelmo: “É, pode ser.” |
Entrevista:O Estado inteligente
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