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O Estado de S. Paulo |
26/7/2006 |
É comovedora a inocência da América liberal. Escrevendo no New York Times de anteontem, o colunista Bob Herbert criticou o governo americano por não ter, nas suas palavras, puxado a manga e murmurado ao ouvido de Israel, assim que começou a devastar o Líbano: "OK. Nós entendemos. Mas chega. A carnificina tem de cessar. Acharemos um meio melhor." É o caso de perguntar em que galáxia o honesto Herbert foi passar férias em março, quando um estudo inédito sobre as relações entre EUA e Israel apareceu no site da Universidade Harvard e na London Review of Books - nenhuma publicação americana o aceitou. O seu impacto só não foi maior que as agressões aos seus autores. Quem o tiver lido não se perguntará por que a América, em seu próprio prejuízo, promove ou endossa sucessivas barbaridades no Oriente Médio, como ao dar carta-branca para Israel despejar o inferno sobre o Líbano, assim que o extremista Hezbollah, entrincheirado no sul do país, seqüestrou dois soldados em solo israelense. A única pergunta que resta é o que ainda precisa ocorrer - depois do 11 de Setembro, depois do monumental fracasso no Iraque, depois do revertério à vista no Afeganistão, depois do constante fortalecimento dos movimentos islâmicos radicais - para Washington se libertar da paradoxal tutela que o protetorado israelense exerce sobre a sua política exterior. O Estado judeu é a cauda que abana o buldogue americano, e desse fenômeno único na atualidade mundial começou a se ocupar em 2002 uma dupla de acadêmicos de primeiro linha, expoentes da chamada escola realista em matéria de relações internacionais e que se declaram "filo-semitas, partidários ardorosos da existência de Israel". John Mearsheimer leciona Ciência Política na Universidade de Chicago. Stephen Walt, Política Internacional em Harvard. Eles sustentam que as ações americanas no Oriente Médio derivam quase todas de fatores internos, principalmente do formidável lobby israelense, que persuadiu os EUA de que os objetivos dos dois países são idênticos ou quase. Graças ao sistema de prêmios e punições que esse aparato maneja com rara desenvoltura - o que os autores descrevem detalhadamente - há quase 40 anos, Israel é o maior receptor singular de assistência econômica e militar americana. São US$ 3 bilhões por ano em ajuda direta, o equivalente a US$ 500 anuais para cada cidadão israelense. A prodigalidade americana em relação ao Estado judeu - que, a contar de 1967, acumula US$ 140 bilhões em valores atualizados - é amplamente conhecida nos seus termos gerais. Mas os dados e fatos compilados pelos professores configuram uma relação especial sem paralelo: nem a URSS tratava Cuba tão bem. Só Israel, para se ter idéia, não precisa prestar contas dos dólares recebidos. Jamais os americanos moveram uma palha para impedir o seu Estado-cliente de levar adiante o programa secreto que produziu um arsenal estimado em uma centena de ogivas atômicas. Ao mesmo tempo que encabeçam as pressões contra o programa iraniano de enriquecimento de urânio, os EUA bloqueiam sistematicamente qualquer debate sobre o armamento nuclear israelense. Inabalavelmente fiéis, a contar de 1982, vetaram 32 resoluções do Conselho de Segurança da ONU desfavoráveis ao aliado - mais do que a soma dos vetos impostos por todos os outros membros do órgão. Em 2000, em Camp David, onde Arafat teria rebarbado a pax israelensis de Barak, "agimos mais que a maior parte do tempo como advogados dos israelenses", confidenciaria um negociador americano. O alinhamento automático dos EUA a Israel chegou ao auge na segunda Intifada palestina, depois que Sharon se elegeu primeiro-ministro e Bush, presidente. A Casa Branca nunca deixou de condenar com as palavras mais duras os atentados suicidas contra civis israelenses, porém reagia com escandalosa indulgência às atrocidades contra civis palestinos nos territórios ocupados. Bush chegou a classificar como "homem de paz" o mesmo Sharon que um tribunal israelense julgou pessoalmente responsável pelo massacre de Sabra e Chatila, no Líbano ocupado em 1982. Dólares americanos tornaram possível a colonização da Cisjordânia, onde se instalaram 400 mil judeus (incluindo os das áreas anexadas de Jerusalém Oriental). A direita cristã, esteio do bushismo, ajuda diretamente os assentamentos. O pior de tudo é o apoio de Washington ao expansionismo israelense - os "fatos consumados" de que fala Bush - e à barreira que avança Palestina adentro, em nome da segurança de Israel. O que conduz ao problema do terrorismo. Para Mearsheimer e Walt, a ameaça terrorista resulta da adesão incondicional dos EUA a Israel - e não o contrário (a adesão como efeito do terror). A conseqüência é clara como o sol: para o mundo inteiro, exceto os EUA, Israel faz o que faz no Líbano - e na Palestina - "porque dispõe da extraordinária imunidade que lhe foi concedida pelos americanos", assinala Patrick Seale, um dos maiores especialistas britânicos em Oriente Médio. Daí o fim da legitimidade da liderança americana, salvo junto aos regimes autoritários ou abertamente despóticos, como os do Egito, da Jordânia e da Arábia Saudita. Eles temem os próprios povos e o "Crescente Xiita" de uma eventual aliança Irã-Iraque. Por isso, pela primeira vez condenaram publicamente o Hezbollah. E Bush não falará mais em promover a democracia no mundo árabe. A autoridade moral que os EUA tiveram para atacar o Afeganistão, no pós 11/9, ficou desfigurada com a invasão do Iraque e se degradou de todo com a licença de Bush para Israel matar e destruir no Líbano até a remoção do Hezbollah - uma fantasia insana - sob a cruel pilhéria do cessar-fogo, sim, mas não já. O resumo da tragédia é que, "em Israel e no Líbano, o sangue está sendo derramado, o horror está se intensificando, o preço está subindo", escreve o respeitado analista israelense Gideon Levy, no Haaretz. "E tudo para nada." |
Entrevista:O Estado inteligente
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