O Globo |
25/7/2006 |
São dois ex-petistas que podem forçar a realização do segundo turno, duas personalidades políticas completamente diferentes entre si. Uma foi expulsa do partido, o outro saiu por conta própria, ambos por discordarem dos métodos do governo, mas defendem idéias distintas. O senador Cristovam Buarque, atualmente no PDT, sabe que não pode baixar os juros por decreto, nem acha bom reestatizar a Vale do Rio Doce, dois pontos do programa de governo da senadora Heloísa Helena, do PSOL. Cristovam amarga 1% nas pesquisas eleitorais, enquanto Heloísa Helena alcança os dois dígitos e transforma-se no grande sucesso da campanha eleitoral. Ex-ministro de Lula, Cristovam diz que aonde vai sente receptividade grande à sua proposta, baseada na educação. “Muita gente diz que eu não subo porque não uso o discurso da Heloísa. E eu respondo a esses marqueteiros que vou continuar assim, meu discurso é outro, eu tenho uma proposta. Eu quero é que daqui a dez anos saibam que tinha um candidato que fez uma campanha baseada na educação”. Para ele, “estabilidade e educação são as duas pernas que o Brasil precisa para pular essa barreira que não deixa a gente chegar à modernidade”. Cristovam quer virar algumas páginas de nossa história, mas elas são mais pesadas do que deveriam: “Parece que a história de hoje do Brasil é escrita em páginas de chumbo, você não vira a página da violência, não vira a página da desigualdade, como a gente virou a página da inflação e a da ditadura”. Ele tem esperanças de que, com o programa eleitoral mostrando as propostas, termine subindo nas pesquisas — há informações de que já teria chegado a 3% das intenções de votos em algumas pesquisas — mas acha que a melhor coisa que tem é que a marca pegou: Cristovam é educação. Já a senadora Heloísa Helena começa a ter problemas de candidata competitiva, embora continue lutando contra dificuldades de financiamento de campanha, assim como Cristovam. Ela se queixou muito neste fim de semana de que está sozinha na briga, e ficou acertado que alguns deputados do PSOL vão assumir mais diretamente as respostas aos ataques, enquanto ela só responderá a Lula. Responsável pelo programa de governo, o candidato a vice na chapa do PSOL, César Benjamin, o Cesinha da luta armada, considerado o antípoda de Heloísa, “uma pessoa absolutamente suave”, vai assumir o debate, junto com os deputados Ivan Valente, Chico Alencar, Babá, Luciana Genro e Orlando Fantazzini. “Seremos os cabeças-de-área dela para enfrentar os ataques que virão”, resume Chico Alencar. A avaliação interna é de que, se ela acertar o tom, pode crescer mais ainda. O perigo seria virar uma espécie de Ciro Gomes na eleição de 2002, que cresceu na base da retórica agressiva e acabou se perdendo pelo destempero. Heloísa Helena vive uma situação contraditória. De um lado a língua ferina, a verve dela, atrai um certo tipo de eleitor. Passa muita franqueza, fala o que está pensando, e isso em política é raro. Esse aspecto meio profético, de denunciar os poderosos, as injustiças, cala fundo em alguns eleitores. Ao mesmo tempo esse tom forte, cortante, pode derrubá-la. Um amigo a define: a Heloísa é, ela própria, contraditória: pode ser doce, abraça os adversários. O esforço da campanha será “ensolarar” a Heloísa, isto é, seu crescimento só será sustentável e terá um efeito político importante para o país se também o voto no PSOL for forte. “Já estamos com mais esperanças de superar a cláusula de barreira. Se ela chega a 15%, 20%, não é descartável que chegue ao segundo turno. Está vindo uma onda Heloísa”, avalia Chico Alencar. O contexto em que a campanha se trava é a negação da política, decepção profunda, com as idéias de partido e de política extremamentes desgastadas. O PSOL estaria conseguindo captar, pelo menos em parte, aquele voto da descrença, do desalento, que num primeiro momento tem esse tom mesmo de protesto, “já que tem que votar em alguém vai ser nela para revelar a decepção”. Na avaliação do PSOL, o PT talvez seja a legenda mais desgastada, e isso deve resultar numa redução violenta de bancada, “talvez voltar ao patamar de 50 deputados”, avalia Alencar, para quem se o PSOL eleger cerca de 12 deputados federais será “uma grande vitória”. Para ele, “a grande desgraça do governo Lula foi essa despolitização. Quatro anos depois da vitória do Lula, nosso povo não está mais politizado, mais organizado, e está mais descrente na política”. E numa situação dessa de dispersão, qualquer coisa pode acontecer, comenta Chico Alencar. “Podia vir um líder mais fascista, o Enéas com uma dosezinha a menos de loucura, ou um populista tipo Garotinho. Nesse vazio o fenômeno Heloísa está acontecendo, e nós queremos dar organicidade a ele, e insistir em que ela é o PSOL”. |
Entrevista:O Estado inteligente
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