Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 28, 2006

Luís Nassif - Parindo o novo












Folha de S. Paulo
28/7/2006

O momento atual lembra os anos 20, com diferenças. Em vez de quarteladas, CPIs e escândalos na mídia

ONTEM, DEPOIS de escrever esta coluna, participaria de uma mesa-redonda na ABL (Academia Brasileira de Letras) sobre "A construção do país e a música brasileira". Na mesa, estaria com Ricardo Cravo Albim, o violinista Cussy de Almeida e o sambista Martinho da Vila. No final, haveria apresentação de uma ala da Mangueira.
E, aí, retorno às analogias com a década de 20. No período, as elites intelectual e empresarial brasileiras davam as costas para o Brasil e tentavam se firmar como elite européia. O deslumbramento era conseqüência do processo de globalização financeira que já entrava em seus estertores.
Nas ruas, havia uma insatisfação generalizada e difusa contra o estado de coisas, mas sem que se soubesse direito o que mudar, o que fazer. A conseqüência era a série de quarteladas que, se de um lado demonstrava falta de rumo, de outro mostrava que o país estava vivo e se mexendo.
É nesse período que se consolida uma rica cultura popular urbana no Rio de Janeiro. Em São Paulo, os filhos da elite rural montam a Semana de 22, com sede e fome de Brasil. Levaria alguns anos a mais para que essa insatisfação se materializasse em mudanças.
Em tudo o momento atual lembra os anos 20, com algumas diferenças. Em vez de quarteladas, tem CPIs e escândalos na mídia -não poupando ninguém, de Collor e Fernando Henrique a Lula. Essa insatisfação não é estéril, embora os cultivadores do escândalo, em sua maioria, o sejam.
Qualquer estudioso da música brasileira verá diferenças fundamentais entre a produção de 1929 e 1930, como se um meteorito tivesse varrido o país e implantado uma nova música. O modo de cantar se moderniza, a estrutura das composições é outra, surgem as marchinhas leves, as interpretações marotas, substituindo os velhos cantores dó-de-peito.
Tudo isso estava pronto. As sementes da música brasileira urbana dos anos 30 já tinham sido plantadas na música de Recife-Olinda dos anos 10. A sede de industrialização já estava patente nas décadas anteriores. Mas foi necessário um fato político para deflagrar a crise e parir o novo.
Do mesmo modo, as sementes do novo país estão aí, vivas. Os valores desenvolvidos nos anos 80 transbordam nos programas de qualidade, para a noção hoje vitoriosa da necessidade de visão estratégica, no papel fundamental da inclusão social e da educação. E, também, na redescoberta dos valores culturais brasileiros. Nos botecos que freqüento, vê-se a cada semana uma quantidade maior de jovens universitários bebendo Brasil.
Nos anos 20, enquanto os intelectuais falavam do fim do país, de sua falta de expressão cultural, estava sendo moldada uma cultura popular extraordinariamente rica que traria desdobramentos na música erudita, na literatura.
No século 21, esse novo Brasil está pronto. E nada como testemunhar o casamento da ancestral Academia com os sambistas da Mangueira para acreditar que, independentemente de eleições, dos escândalos reais e dos fabricados, o país caminha. Já tem massa crítica para o salto, para o surgimento, em um ponto qualquer do futuro, do estadista que o recoloque no rumo.

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