Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 27, 2006

Jânio de Freitas - A parte maior




Folha de S. Paulo
27/7/2006

O jeitinho não é fruto de desatenção; foi deliberado: as regras que regem a vida política são feitas por políticos

POR MAIOR QUE seja o seu mal-estar com a provável permanência no Congresso, ou retorno a ele, dos sanguessugas, das estrelas do "valerioduto" e de eminências desnudadas como o chefe de grupo Antonio Palocci, recomenda-se não esquecer que essa é apenas a parte mais visível do que o espera nos próximos anos. A parte a que jornais e TV deram atenção, tardia embora.
Há, porém, um outro contingente. Não menos ameaçador e talvez mais, além de maior, porque em grande parte não pretende ver-se no Congresso, mas continuar ou voltar à administração pública onde poupou virtudes e acumulou outras coisas. São perto de três mil. Em algarismos ressalta-se melhor a eloqüência do contingente: 3.000 condenados pelo Tribunal de Contas da União, ao fim de processos que examinaram partes de sua atividade como "gestores públicos". Ressalta o presidente do TCU, ministro Adylson Motta: as condenações seguiram-se "ao mais amplo direito de defesa". Resultado bastante, por si só, para impedir as candidaturas.
Será? Será, desde que o condenado-candidato não queira -o que é inimaginável- entrar com um recurso judicial muito simples. Só com isso, sua candidatura estará preservada, nem precisa esperar por uma decisão inicial para que esteja con- firmada. A suspensão dos efeitos da condenação pelo TCU é automática. E, se a candidatura ainda não estiver registrada, o mesmo tipo de recurso vale para viabilizá-la, em busca da imunidade que é um dos presentes dados pelas urnas e mais buscados nas eleições atuais.
Mesmo nos casos em que o processo do TCU desdobre-se em pro- cesso judicial, a posse do condenado-eleito é assegurada e a lentidão do Judiciário, inclusive a Justiça Eleitoral, dificilmente permitirá que seja incomodado antes de concluído o mandato. No Congresso, em governos estaduais e em prefeituras há inúmeros portadores de processos que deveriam tê-los impedido de se candidatar, quanto mais de exercer o mandato.
O jeitinho não é fruto de desatenção ou acaso. Foi deliberado: as regras que regem a vida política são feitas pelos políticos. Defende-o o argumento de que impede injustiças e perseguições, como processo e condenação criados pela influência de adversários. Mas resulta em que a restrição a eventual injustiça acoberta e premia a improbidade e crimes sortidos.
A propósito das falhas da lei de inelegibilidades, dizia ao "Globo", há algum tempo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello: "Nada foi feito para mudar esse faz-de-conta que esvazia o trabalho seriíssimo do TCU".
"Nada foi feito" responsabiliza, é claro, o Poder Legislativo. Correto. Mas incompleto. A passividade da Justiça Eleitoral, que jamais emitiu a advertência a que está habilitada pelo conhecimento privilegiado do tema, também fica devendo à eqüidade e à moralidade do processo eleitoral, essa farsa imensa.

Arquivo do blog