Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 23, 2006

JANIO DE FREITAS Os crimes "di menores"

FOLHA


O problema da criminalidade não escapa ao sentimento de que, no Brasil, não faz sentido participar de causa alguma

A "INTELIGENTSIA" DE São Paulo não deu sinais, com os recursos de suas inúmeras qualificações, de sentir-se tocada pela invasão da violência organizada em sua capital e em várias cidades do Estado. Desde a primeira onda de ataque, iniciada em 12 de maio, não ficou registrada nenhuma iniciativa com algum significado perceptível, em busca da compreensão do problema e de estratégias para tratá-lo. A seleção brasileira talvez nunca tenha representado tão bem, como na sua apatia multimilionária, as circunstâncias do país.
Parte da omissão pode ser debitada à complexidade do problema que, além de envolver vasta diversidade de causas e desdobramentos, está à margem da mentalidade dominante na sociedade, voltada com exclusividade para os aspectos financeiros ditos públicos e, sobretudo, os privados. Ou seja, o problema da criminalidade não escapa ao sentimento generalizante de que, no Brasil, não faz sentido participar de causa alguma do país - é, então, a própria idéia de país que se esvai.
Ainda assim, certos temas merecem um esforço de debate, muitos deles com urgência. Os últimos dias ofereceram, nesse sentido, dois casos exemplares de um tema repleto de alcances negativos. Em São Paulo, um dos seqüestradores e assassinos dos estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé foi dispensado de julgamento. No Rio, o assaltante e assassino do músico Nettinho, da banda Detonautas, foi dispensado de julgamento.
Liana, seqüestrada, padeceu de estupro muitas vezes, pelo menos oito sessões, e de quase todas participou um tal Champinha. Mas Champinha foi dispensado de julgamento. Liana passou por torturas terríveis, das quais o tal Champinha foi executante principal. Mas Champinha foi dispensado de julgamento. Liana sofreu mutilações feitas por Champinha com um facão. Mas Champinha foi dispensado de julgamento.
Y., de nome não divulgável, acabara de roubar o carro de uma mulher quando decidiu roubar outro. O músico, que ia no seu carro com familiares, não cedeu ou não o fez com a presteza desejada pelo assaltante. Y. desfechou-lhe quatro tiros. Nettinho morto, irmão ferido. Mas Y. foi dispensado de julgamento.
Truques eficazes das defesas de Champinha e Y.? Não. Falha ou má-fé dos juizes? Por certo há muita gente dizendo isso, como sempre. O que dispensou os dois de julgamento? A lei, ora essa.
À época de seus crimes monstruosos contra Liana, em novembro de 2003, Champinha ainda não tinha 18 anos: "di menor". Inimputável. Recolhido à Febem para esperar a maioridade, agora com 19 anos Champinha sairá, livre, em novembro. O atraso lastimável deve-se à necessidade de cumprir a punição por atos contrários à "disciplina".
Y. vai esperar um pouco mais. Ou melhor, pode ser que espere. Afinal, é a quarta vez que o internam em instituto para menores delinqüentes, a primeira aos 12 anos. Mesmo que não fuja, só ficará no instituto por pouco mais de um ano, porque já passou dos 16. Ah, sim, o nome de Y. não é citado porque a lei protege a sua imagem, proibindo a publicação tanto de nome como de foto de menores susceptíveis de reprovação. O que, pelo visto, não é o caso de Y.
Já foi lembrado que o Estado e a sociedade reconhecem nos de 16 anos a maturidade para escolha dos governantes, pelo exercício do voto próprio de cidadãos, logo, é incoerente que não a reconheça nas leis penais. A legislação que ainda supõe ingenuidade nos atos, por exemplo aos 16 anos, de usar arma, assaltar, seqüestrar, assassinar, é legislação protetora de uma parcela adolescente da população ou desprotetora de toda a população?
Os verdadeiros direitos humanos não merecem servir ao crime.

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