O Estado de S. Paulo
2/7/2006
Em campanha eleitoral o que interessa é olhar para a frente. Nem o
candidato a presidente nem o PSDB devem ser pautados pelas
“comparações” entre meu governo e o de Lula, embora sem temê-las. Até
porque o governo e a campanha do candidato oficial não têm limites
para distorcer a realidade quando se trata de beneficiá-lo. O cinismo
é amplo, geral e irrestrito. Chega-se ao cúmulo de apresentar Lula
como o “pai” do Real, quando, na verdade, ele se opôs ao plano. E se
usa o artifício de comparar os dados econômicos de 2002, ano em que o
País foi para a UTI por receio da eleição do candidato do PT, com os
resultados atuais. Estes, como se sabe, decorrem de uma excepcional
conjuntura econômica mundial somada à sensatez (surpreendente e bem-
vinda) de uma política econômica que renegou tudo o que o PT e ele
próprio, Lula, pregaram nos últimos 20 anos.
As eventuais semelhanças entre as políticas econômicas dos dois
governos não escondem, porém, uma diferença de fundo. Uma coisa é
manter juros altos e moeda valorizada para controlar uma
hiperinflação numa economia indexada. Outra, muito diferente e
perniciosa, é aplicar a mesma receita quando a economia está
estabilizada e o mercado mundial é favorável.
Levou tempo para assentar as bases de uma moeda estável, um País mais
apto a competir e um Estado relativamente capacitado a atender às
necessidades dos mais pobres. Além de tempo, as mudanças custaram o
aumento do endividamento do governo federal. Foi o preço pago pela
adaptação dos orçamentos e dos costumes públicos a uma economia com
inflação baixa, pelo reconhecimento de dívidas devidas e não
contabilizadas, pelo saneamento das contas de Estados e municípios,
tudo isso em meio a uma seqüência de crises internacionais. Daí os
juros altos.
Agora, porém, sem crises internacionais, sem indexação, sem maiores
pressões inflacionárias, por que juros tão elevados? A resposta
principal é uma só: frouxidão no controle dos gastos correntes do
governo federal, que cresceram 10% acima da inflação em 2005 e
continuam a crescer no embalo eleitoral, e ausência de compromisso
com uma agenda de reformas. À frouxidão e à falta de agenda se junta
o conservadorismo excessivo do BC. Insustentável no longo prazo, a
política de juros altos e gasto descontrolado, se mantida, levará às
alturas a já elevada carga tributária ou porá em perigo o próprio
ajuste das contas públicas.
Se vitorioso, o PSDB adotará políticas consistentes com o objetivo de
retomar o caminho do desenvolvimento. Este passa desde logo por
restabelecer o controle sobre o gasto público e a decência no
exercício do governo, comprometida pelos “valeriolulas”. Sem um
paradeiro na explosão dos déficits da Previdência, na fúria de
admissões de “pessoal amigo” para cargos em comissão, nos aumentos
pré-eleitorais para o funcionalismo, na desmoralização das
instituições, a redução dos juros não produzirá mais investimento,
mas apenas mais inflação. Não produzirá mais investimento privado,
porque este precisa de confiança nas regras do jogo e de um horizonte
seguro de longo prazo. Nem produzirá mais investimento público, que
continuará sendo engolido pela voracidade dos gastos correntes.
Controle do gasto corrente e respeito às regras do jogo não
necessários, porém não suficientes. Um novo governo do PSDB retomará
a agenda reformista. Esta começa pela Previdência - é absurdo acabar
com o fator previdenciário, a menos que se pense em fixar uma idade
mínima para as aposentadorias de trabalhadores e servidores públicos.
Passa pela recuperação da autonomia efetiva das agências reguladoras
- para livrá-las da ingerência partidária - e pela reforma
administrativa - é preciso cortar o excesso de funções em comissão,
limitando o número de posições de livre designação a, digamos, 20
pessoas por ministério. E chega ao terreno da reforma tributária - a
carga precisa ser mais bem distribuída e efetivamente reduzida, o que
se tornará possível com o controle dos gastos.
Com controle do gasto, maior investimento público em infra-estrutura,
confiança nas regras do jogo e reformas em andamento, aí, sim, haverá
mais investimentos privados e maior crescimento.
A agenda de reformas ficará, todavia, incompleta se não incluir, com
prioridade, o grande tema dos nossos dias: a educação. Aí está o
nosso maior desafio. Em que pese a importância da “rede de proteção
social” que o governo passado criou e o atual juntou no Bolsa-Família
e explora eleitoralmente, os pobres merecem mais que um auxílio,
merecem um futuro sem pobreza e com cidadania. E isso depende de mais
e melhores empregos, de um lado, que virão com maior investimento, e
maior e melhor oferta de educação, do outro.
Educação de boa qualidade desde a pré-escola. Todas as ações do PSDB
deverão pautar-se pela preocupação obsessiva com as crianças e os
jovens e isso terá de se refletir nos orçamentos públicos e no
engajamento de governo e sociedade civil na luta por melhor educação,
mais criatividade, mais emprego para os jovens e combate mais eficaz
ao uso das drogas e à violência.
Para avançar, uma nova agenda de reformas requer um Congresso melhor.
Por isso, é mais do que tempo de voltarmos à discussão das reformas
políticas (voto distrital ou, como alternativa, listas fechadas de
candidatos, com fidelidade partidária).
O PSDB deverá comprometer-se com reformas do sistema eleitoral e
partidário, pois sem elas, mesmo que o rumo geral esteja bem
definido, faltará ritmo ao País. E hoje o ritmo é crucial: na
competição global levam vantagem os países que têm objetivos claros e
os perseguem com agilidade e obstinação.
Derrotar a inflação foi possível porque a sociedade não a agüentava
mais. Da mesma forma, é chegada a hora de abrir uma nova rodada de
mudanças que aumente os investimentos, reduza os impostos, acelere o
crescimento e a geração de empregos e, com mais e melhor educação, dê
oportunidades efetivas de um futuro melhor aos mais jovens, homens e
mulheres, sobretudo entre os brasileiros mais pobres.