Turismo hospitalar
"Só um jeca como eu pode imaginar que os
médicos americanos sabem mais do que os
outros. Sabem nada. O único ensinamento
que tiramos de nossas viagens é que os
médicos tapeiam em qualquer lugar"
Levei meu filho ao médico. Em Nova York. Uma apalpadinha aqui, outra apalpadinha ali. No fim do exame, o médico recomendou apenas procurar outro médico. Quinhentos dólares. Até logo. Volte sempre. Meu filho tem 5 anos. É um especialista em médicos. Já foi examinado por médicos americanos, médicos italianos, médicos brasileiros. Há quem visite templos em Bali. Nós visitamos consultórios. Fazemos turismo hospitalar. Botox em Boston. Raio X do quadril em Pádua. Alongamento dos adutores no Sumaré. Só um jeca como eu pode imaginar que os médicos americanos sabem mais do que os outros. Sabem nada. O único ensinamento que tiramos de nossas viagens é que os médicos tapeiam em qualquer lugar. Agora chega. Nunca mais levarei meu filho a um deles.
A vida de meu filho foi marcada pelos médicos. De certa forma, ele é fruto da medicina. Um erro médico na hora do parto provocou-lhe uma paralisia cerebral. A paralisia cerebral é um distúrbio do movimento. Para caminhar, meu filho usa um andador. Para escrever, ele usa um computador. Nada disso o impede de amolar como qualquer menino de 5 anos. Agora apareceu na TV americana um comediante com paralisia cerebral. Seu nome é Josh Blue. Ele explica que ter paralisia cerebral é como estar permanentemente embriagado. Só que, quando ele de fato está embriagado, consegue enfiar a chave na fechadura da porta, diferentemente do que acontece quando está sóbrio. Pensei em misturar cerveja ao chá gelado de meu filho. Seria melhor do que levá-lo ao médico.
Freud estudou a paralisia cerebral. Neil Young usou-a como tema. O U2 também. O momento de maior popularidade da paralisia cerebral foi em 1989, quando Meu Pé Esquerdo, baseado na biografia de Christy Brown, ganhou o Oscar. Atualmente, ela anda meio desprestigiada. As livrarias americanas só oferecem volumes sobre síndrome de Asperger e ADD. Cedo ou tarde a moda volta. Até Barry Manilow voltou. Eu sempre trago de nossas viagens algum suvenir editorial sobre paralisia cerebral. É o único assunto que verdadeiramente me interessa. Desta vez, voltei com a mala vazia.
O turismo hospitalar exige tempo. Ficamos duas semanas em Nova York para uma consulta médica de 25 minutos. Nova York é uma cidade complicada para deficientes físicos. Mas há o Museu Guggenheim, de Frank Lloyd Wright. O Guggenheim é a meca dos deficientes físicos. Ou o Hopi Hari dos cadeirantes. Tem uma extensa rampa espiralada que leva a lugar nenhum. Meu filho subiu e desceu a rampa duas vezes, em alta velocidade, atropelando os turistas com seu andador. Dedicou quinze segundos às obras de papel de Jackson Pollock. É o que elas merecem. E passou batido pelos projetos da arquiteta iraquiana Zaha Hadid, expostos pretensiosamente ao longo da rampa, como se fossem pinturas construtivistas. Foi o único acerto de Saddam Hussein: expulsar a família de Zaha Hadid antes que ela pudesse construir prédios no Iraque. Eu confio no gosto artístico de meu filho. Confio nele em tudo. Zaha Hadid desenhou um hospital na Escócia. Ainda bem que nunca mais iremos a um médico.