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O Estado de S. Paulo |
24/7/2006 |
O Brasil vive um momento eleitoral em que candidatos se digladiam e idéias ficam freqüentemente a reboque. A discussão política aparece enviesada, como se doenças pudessem ser combatidas com analgésicos aplicados a sintomas. O discurso de campanha ganha uma prioridade tal que as questões propriamente substanciais, as que dizem respeito à transformação do presente, visando a um outro futuro, desaparecem do horizonte, como se só depois pudessem vir à tona. Torna-se cada vez mais necessário pensar uma agenda propositiva, suprapartidária, que não pode ficar reduzida aos avatares das contendas dos partidos políticos. Há uma certa tendência de priorização dos temas de campanha, ficando o País à mercê de uma aritmética eleitoral em que os candidatos contabilizam apenas índices de intenção de votos. O País deve ser pensado a longo prazo, pois é lá que se joga o nosso destino. Qualquer amesquinhamento relativo a uma pauta propriamente pública pode ter efeitos nefastos sobre decisões que devem ser tomadas no presente. O vaivém dos candidatos segundo as diferentes pesquisas de opinião termina por capturar uma atenção que poderia ser mais bem dirigida se se levassem em consideração os importantes problemas nacionais. As chamas, no entanto, não se apagam. Há vários rastilhos que já estão acesos e um deles diz diretamente respeito aos problemas decorrentes do crescimento demográfico, ou melhor, de seu descontrole. Enquanto o Brasil cresceu 2,5% na década de 1995-2005, o aumento populacional foi superior a 3%, ou seja, o desenvolvimento brasileiro não foi nem capaz de contemplar o aumento de seu contingente populacional, criando um déficit que se torna cada vez mais crônico. Não adianta aqui argumentar que se o crescimento fosse maior o problema estaria resolvido, pois isso seria equivalente a simplesmente postergar o problema, atribuindo-o a outras causas. É evidente que o baixo crescimento econômico é uma causa da situação atual, porém não a única. O crescimento econômico depende, por sua vez, de uma série de variáveis que exigem soluções específicas, que tampouco estão sendo enfrentadas. E, quando o forem, a sua solução será progressiva, exigindo tempo e medidas complementares. Há todo um déficit acumulado que para ser absorvido exige do País ter menor crescimento demográfico na próxima década, além de forte crescimento econômico. O aumento populacional deveria ser menor do que o crescimento econômico, integrando os sem-emprego e os que se encontram na informalidade à economia formal, sob pena de o País criar cada vez mais pessoas que não tenham condições adequadas de sobrevivência. Famílias instruídas, que sabem o custo de uma boa educação e da preparação dos seus filhos rumo a um futuro promissor, têm menos filhos, enquanto famílias de menores rendimentos e menor instrução têm uma prole maior. Cria-se, assim, uma maior diferenciação social que só tende a se acentuar. Não ver essa situação significa simplesmente desconhecer uma triste realidade, que é como se não existisse pelo fato de os olhos ficarem fechados. O País deve abrir-se a uma campanha de educação com ensinamento de métodos de contracepção e oferecimento gratuito pelo Estado de meios que impeçam o crescimento descontrolado da população. Num país de costumes sexuais livres, a questão é ainda mais candente. Decisões devem ser tomadas, a partir de esclarecimentos e de um lúcido debate de idéias. A razão deve primar sobre os preconceitos. Logo, o País não pode ficar refém de um descontrole demográfico que só tende a acentuar a miséria, a favelização das cidades, os focos potenciais de insatisfação social e a violência. Preconceitos religiosos e políticos não podem nortear um país que procura descortinar um novo futuro. Em 1980 a base populacional brasileira constituía propriamente uma pirâmide, com os mais jovens formando uma forte base, que se ia afinando gradativamente segundo níveis etários, tendo no topo uma pequena população acima dos 60 anos. Neste sentido, do ponto de vista previdenciário, os ativos tinham condições de financiar os inativos. Em 2000 a pirâmide começou a se deformar, aumentando muito a sua base, que começou a ganhar em altura, mantendo, ainda, um afunilamento no topo. Em 2005 a pirâmide já engordou de tal maneira que começa a ficar irreconhecível. O Brasil muda demograficamente. Permanecendo a mesma tendência, segundo projeções feitas para 2020, a pirâmide se transformará num barril, na verdade, um barril de pólvora, se medidas não forem tomadas pelo novo presidente da República. Uma projeção desse tipo cria problemas insolúveis do ponto de vista previdenciário, se transformações importantes não forem promovidas, desde o modo de contribuição até os problemas propriamente gerenciais, passando pela corrupção. O descontrole demográfico constitui uma variável importante de descontroles sociais, econômicos e previdenciários. Um país crescendo pouco, com um aumento populacional maior do que a sua capacidade de absorção por emprego e salário, gera, por assim dizer, um superávit de pessoas sem ocupação e tende a se tornar prisioneiro de suas próprias contradições. Uma população ativa economicamente, olhando para cima, não terá como suportar os idosos e, olhando para baixo, verá uma população jovem sem emprego e sem salário, exigindo a satisfação de direitos que não poderão, sob essas circunstâncias, ser satisfeitos. Embaixo o rastilho, em cima o estopim, no meio um Brasil incapaz de enfrentar os seus problemas. Cria-se uma situação propriamente explosiva, com repercussões sociais da maior importância. Não se trata de um tonel de vinho, mas de um barril de pólvora. |
Entrevista:O Estado inteligente
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O barril de pólvora Denis Lerrer Rosenfield
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