Especialista em contraterrorismo, Stuart Gottlieb compara guerra no Líbano a outros conflitos e diz que Israel não tinha alternativa a não ser atacar grupo xiita
SE o Reino Unido, a Espanha e o Peru tiveram dificuldades para combater grupos como o IRA (Exército Republicano Irlandês), o ETA (grupo separatista basco) e o Sendero Luminoso, os israelenses terão ainda mais na atual operação no sul do Líbano para eliminar o arsenal do Hizbollah, que age a partir de um país fronteiriço e é uma das organizações armadas mais poderosas de toda a história, diz o professor Stuart Gottlieb, principal especialista em contraterrorismo da Universidade Columbia, em Nova York. Para Gottlieb, Israel não tinha outra saída a não ser agir militarmente contra o Hizbollah, uma vez que qualquer estratégia negociada para desarmar o grupo fracassaria.
GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
Israel não é o primeiro país a lidar com uma organização não-governamental armada na história. A França teve de enfrentar os movimentos de independência da Argélia, diversos países da América Latina tiveram guerrilhas de esquerda pela frente e mesmo Israel teve de combater o Hizbollah no sul do Líbano. Muitos países saíram vitoriosos, outros derrotados. Não se sabe ainda qual será o resultado do atual conflito. O Hizbollah tem mísseis e não apenas explosivos, além de possuir uma ideologia difícil de ser combatida. A estratégia, na visão do professor Stuart Gottlieb, é Israel debilitar ao máximo o Hizbollah e, no médio prazo, que seja quebrada a aliança entre a Síria e o Irã, trazendo o regime de Bashar al Assad para o lado dos países árabes moderados. Sem poder atravessar o território sírio, o Irã teria dificuldade em manter o fornecimento de armas ao Hizbollah. O problema é que o governo sírio talvez não aceite mudar de lado pois saberia que o grupo libanês "poderia responder com um atentado em Damasco a esse tipo de traição. Na visão da Síria, é melhor um inimigo que não a ataca, como Israel, do que um que poderia atacá-la, como o Hizbollah".
Leia a seguir, entrevista concedida a Folha em Nova York.
STUART GOTTLIEB - O Hizbollah é mais difícil do que qualquer outra organização pois envolve uma novidade: o grupo opera a partir de um outro país. No atual conflito, o Hizbollah usa o território libanês para lançar mísseis do outro lado da fronteira contra Israel. O Sendero Luminoso era baseado no Peru para atacar o governo peruano. O IRA também agia dentro do Reino Unido. O ETA, apesar de ter células na França, tinha as suas principais operações na própria Espanha. No caso do Hizbollah, é diferente. É uma guerrilha, com mísseis, não apenas explosivos. O grupo tampouco é a mesma coisa que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Até agora, as Farc nunca agiram contra países vizinhos. O Hizbollah é inimigo de Israel, não do Líbano, mesmo porque é libanês. Nunca existiu uma organização como esta.
FOLHA - Usando a Colômbia como exemplo, o governo de Álvaro Uribe, com apoio dos EUA e da população local, tem dificuldades para desarmar grupos como as Farc. O governo e o Exército libanês são bem mais fracos que o colombiano. Havia como o premiê libanês Fuad Siniora levar adiante o desarmamento, como pedia a resolução 1559 da ONU?
GOTTLIEB - O governo libanês não tinha essa capacidade. O Hizbollah é mais forte. Por esse motivo, como o Líbano não podia agir, Israel não tinha saída para se defender a não ser atravessar a fronteira e combater com as suas próprias forças. E mesmo para Israel, país forte militarmente, é mais difícil enfrentar o Hizbollah do que para o governo colombiano combater as Farc, pois o Hizbollah está em outro país. Já Uribe pode agir como bem entender.
FOLHA - O Hizbollah parece ser mais poderoso do que os Exércitos da Síria, da Jordânia e do Egito contra Israel no passado. Mantém o mesmo nível dos ataques 15 dias após o início das hostilidades. Como o grupo obtém esse resultado?
GOTTLIEB - Síria, Jordânia e Egito tinham Exércitos regulares, com bases e armamentos conhecidos. Israel simplesmente levou adiante ataques preventivos que eliminaram as forças desses países antes de elas conseguirem agir. O Hizbollah opera como uma guerrilha, em outro país. É extremamente complicado combater uma guerrilha em seu próprio território, imagine em um território estrangeiro. E o Hizbollah se tornou um Estado dentro de um Estado no sul do Líbano. O grupo é responsável pela segurança militar da região e pela área social.
FOLHA - Israel não corre o risco de repetir 1982, quando entrou no Líbano para eliminar o "Estado dentro do Estado", que era a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), e como conseqüência teve o surgimento do Hamas e do Hizbollah?
GOTTLIEB - Discordo dessa visão, pois a OLP teve que sair de Beirute após ser derrotada. A diferença é que os palestinos continuaram operando a partir de outros países, como a Tunísia. E o Hamas surgiu dentro dos territórios palestinos, que não são o Líbano. O Hizbollah não pode se mudar para outro país se a situação se agravar.
FOLHA - Grupos considerados perigosos no passado, praticamente inexistem hoje, como o Abu Nidal, que para muitos era a organização terrorista mais poderosa no mundo árabe nos anos 70 e 80. Isso pode ocorrer com o Hizbollah no futuro?
GOTTLIEB - O Abu Nidal acabou após uma ampla ação global contra a organização, que isolou o grupo. O Hizbollah tem todo o sul do Líbano, onde a maioria da população é xiita e é simpatizante do grupo, além de apoio iraniano e sírio. O Hizbollah ganha simpatizantes por causa de sua atuação social também, coisa que o Abu Nidal e a Al Qaeda jamais fizeram. Além disso, o Hizbollah é uma guerrilha, bem mais do que um grupo terrorista.
FOLHA - O Hizbollah é hoje mais forte que a Al Qaeda?
GOTTLIEB - O Hizbollah é mais poderoso militarmente, além de contar com apoio do Irã e da Síria. Mas a sua atuação é limitada a Israel. O Hizbollah não é uma força antiocidente. É antiisraelense e antiamericana.
FOLHA - Por que não há solução negociada para desarmar o Hizbollah, com a participação do grupo?
GOTTLIEB - Muitos acadêmicos e a imprensa falam em solução negociada. Mas o que se pode oferecer ao Hizbollah em troca do desarmamento? O Hizbollah já tem praticamente tudo o que desejava no Líbano. Controla 90% da população xiita, e o sul do país tem representantes no governo e no Parlamento, pode carregar armas, tem apoio nas ruas, consegue combater Israel e ganha dinheiro com as suas próprias atividades, além de receber ajuda financeira do Irã. Você pode argumentar que eles querem a desocupação das Fazendas de Shebaa, mas, se isso ocorrer, os líderes do grupo arrumarão outro motivo, como já fazem, ao falar da ocupação das áreas palestinas. Um grupo que conseguiu tudo sem precisar negociar, não tem porquê ceder em uma negociação.
FOLHA - Dar mais poder aos xiitas prejudicaria o sistema sectário libanês, dividido entre religiões?
GOTTLIEB - Exatamente, sunitas e cristãos maronitas não estão dispostos a abrir mão do poder que tem e isso produziria enorme conflito interno no Líbano.
FOLHA - A única saída é a operação militar de Israel contra o grupo?
GOTTLIEB - Não vejo outra saída para Israel tentar combater o Hizbollah agora. O problema que os israelenses têm que lidar é com o alto número de vítimas civis no Líbano que nada tem a ver com a guerra. Mas lembro que grupos fortemente armados como o Sendero Luminoso ou mesmo guerrilhas de esquerda na Argentina foram eliminados após ações militares que violaram muito mais os direitos humanos do que agora, assim como a Rússia com os rebeldes tchetchenos.
FOLHA - Israel não podia usar melhor os seus serviços de inteligência e ir direto às lideranças do Hizbollah, como foi contra as do Hamas no assassinato do xeque Ahmed Yassin?
GOTTLIEB - Para os serviços de inteligência israelenses, há uma diferença grande entre as ações no Líbano e nos territórios palestinos. Israel possui informantes dentro do Hamas, do Jihad Islâmico. Há muitos palestinos que são colaboradores em troca de dinheiro. Os membros do Hizbollah são muito mais disciplinados, não entregam nada. Acredito até que Israel tenha capturado integrantes do Hizbollah no sul do Líbano e os tenha torturado em busca de informações, mas duvido que consigam algo.
FOLHA - Há uma corrente que vem crescendo nos EUA que é a de tentar quebrar a aliança entre a Síria e o Irã. Dessa forma, o Irã perderia o corredor para enviar armas ao Hizbollah.
GOTTLIEB - A Síria certamente estaria disposta a mudar de lado. A maior parte da população síria é sunita, e não xiita, como o Hizbollah e o Irã. O regime de Bashar al Assad é alauíta, mas de nenhuma forma é religioso. As negociações sobre a devolução do Golã podem ser levadas adiante. No fim dos anos 90, elas fracassaram por detalhes. É possível retomá-las. Assim, se poderia impedir que o Irã envie armamentos ao grupo. Com menos armas, aos poucos o Hizbollah poderia se tornar mais uma milícia que se desarmou no Líbano. Essa seria uma ótima estratégia, mas há um problema: Assad sabe que, se abandonar o Hizbollah, Damasco ou ele próprio será alvo de um atentado do Hizbollah, que não aceitaria essa traição. Na visão síria, é melhor um inimigo que não a ataca, como Israel, do que um que poderia atacá-la como o Hizbollah.
FOLHA - O apoio ao Hizbollah não diminuiria com a melhoria de vida dos xiitas do sul do Líbano por ações sociais do Estado libanês?
GOTTLIEB - O Hizbollah tem uma ideologia por trás que é a de destruir Israel para acabar com a ocupação dos territórios palestinos. Diferentemente da ideologia marxista, que perdeu força com o fim da URSS, essa não é uma ideologia que se acaba com dinheiro e educação. Mesmo porque, muitos membros do Hizbollah tiveram ótima educação.
GOTTLIEB - Não há exemplo de uma força da ONU que tenha obtido sucesso em combater ou desarmar uma guerrilha com a força do Hizbollah. Talvez tropas da Otan ajudem, mas ainda assim é difícil.