Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 30, 2006

DANUZA LEÃO Pequenas alegrias

FOLHA


Você vai ao dentista e tem a gratíssima notícia de que seus dentes estão perfeitos. Não é para soltar fogos?

A VIDA É cheia de pequenas alegrias que a gente nem percebe, e as grandes -bem, as grandes acontecem também, mas só às vezes. Vamos lembrar de algumas bem bobas, sem nenhum significado profundo, mas que fazem a gente sair pela rua cantarolando de felicidade.
Sabe aquela faxineira maravilhosa que deixa sua casa tinindo, as pratas brilhando, o banheiro cheiroso? Ela já chega com a lista de compras de produtos de limpeza, nunca menos de 15, e para fazer um trabalho perfeito desarruma a casa toda, claro.
A cada vez que você se senta, acende um cigarro e pega o jornal, ela quer limpar e-xa-ta-men-te aquele lugar. Um belo dia (aquela quinta-feira fatídica) você, já preparada psicologicamente para a tortura, atende o telefone e é ela, do orelhão, dizendo que teve um problema e só pode vir na próxima semana. Existe felicidade maior?
Existe, sim; um dia você, distraída, combina um jantar, achando que aquele dia não ia chegar nunca. Está com o trabalho atrasado, o sono atrasado, sem paciência para falar e ouvir abobrinhas, sem paciência para nada, a não ser para seus próprios assuntos. É quando você descobre que Deus existe: na manhã do tal jantar, a pessoa telefona e desmarca, pois vai ter que ir a Curitiba a trabalho. "Vamos marcar logo um outro dia?" E você responde, de bate-pronto: "Na próxima semana vou viajar, a gente se telefona, tá?"
Pausa para falar dessa maravilhosa frase que deve ter sido inventada por um carioca, num dia de sol, na praia. Para quem não sabe, no Rio a frase "A gente se telefona" não quer dizer absolutamente nada, que maravilha.
Um dia você compra um sofá novo, e o estofador jura que vai entregar na sexta-feira, o que acontece; um milagre, pois tudo que é prometido para sexta-feira só chega na terça seguinte, só que a vida não é assim tão simples: a empregada telefona para seu trabalho e diz que o sofá não entra no elevador. Faz o quê? Nada, a não ser esperar para saber se vai ser preciso chamar o serviço de cordas. Mas os maravilhosos homens da transportadora conseguem o milagre e sobem pela escada, por módicos R$ 50 para cada um. Ninguém telefona para dar a boa notícia, claro, e só quando você liga 40 minutos depois descobre que o sofá já está no lugar. É caso de passar uma semana sem comer chocolate, em agradecimento ao Criador.
Você vai ao dentista e tem a gratíssima notícia de que seus dentes estão perfeitos e que só precisa voltar dentro de um ano. Não é para soltar fogos de artifício? E aquele dia maravilhoso -e raro- em que todos os eletrônicos da sua casa estão funcionando, não é uma glória?
Mas existem outras alegrias, e tão pequenas que a gente nem percebe: abrir a torneira e sair água, abrir a outra e sair água quente, tocar no interruptor e a luz acender, encontrar vaga para o carro e conseguir ir embora sem o flanelinha ver, não é o máximo?
Se você não achou graça em nenhuma dessas coisas, faça o seguinte: pare de ler o jornal, feche os olhos e respire bem fundo, várias vezes, pensando apenas na sua respiração. Sentiu?
Todas essas são alegrias bobas, mas basta que falte uma delas para a gente começar a se queixar. Quando a a vida está ótima, a gente nunca se lembra de que a vida está ótima; por que será?
danuza.leao@uol.com.br

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