O projeto aprovado pelo Senado ainda está longe de assegurar
necessária onda de inversões em saneamento
O PROJETO de marco regulatório para o saneamento aprovado pelo Senado
nesta semana constitui avanço, ainda que tardio e pontual, para
segmento estratégico. Investimento em infra-estrutura social desse
tipo é muito mais importante para o crescimento e distribuição da
renda do que o populismo de favores e migalhas.
A situação do saneamento no país é trágica. Segundo a Pnad, a
cobertura da rede de água abrange 82,2% dos domicílios. Contudo a
situação é vergonhosa quando se trata da rede de esgoto. Apenas 48%
dos domicílios brasileiros têm acesso à rede coletora. Tal situação é
ainda mais alarmante na região Norte, onde esse índice cai para
apenas 4%!
Investimentos nessa área são essenciais para o desenvolvimento.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, cada R$ 1 investido em
saneamento básico representa R$ 4 poupados com saúde pública, além de
geração de empregos diretos e indiretos com o desenvolvimento regional.
Tome-se, por exemplo, o efeito positivo que as inversões feitas nos
anos 90 no Nordeste tiveram sobre a expansão do turismo naquela
região. Investimento em saneamento tem longo prazo de maturação,
requerendo investimento público, maior agregação das atividades para
tirar proveito das economias de escala e escopo e parceria com o
capital privado. Essas têm sido as tendências dos casos bem-sucedidos
da experiência internacional, conforme demonstra minucioso estudo da
CNI elaborado pelo economista Frederico Turolla.
A participação do capital privado, por sua vez, só ocorre em ambiente
de regras claras e estáveis. Daí a importância de um marco
regulatório pendente há vários anos. O projeto aprovado pelo Senado
ainda está longe de assegurar uma necessária onda de inversões em
saneamento no país.
Em primeiro lugar, ainda terá de passar pela Câmara. Em segundo
lugar, a questão da titularidade do poder concedente -se do município
ou dos Estados- não ficou resolvida. O artigo referente a esse
assunto polêmico foi meramente eliminado. Essa matéria também deverá
ser objeto de apreciação pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Por
fim, ainda será necessário operacionalizar parcerias com o setor
privado.
De toda forma, o projeto aprovado constituiu avanço em relação ao
projeto de lei 5.296/05 originalmente enviado pelo Executivo. O
projeto do governo conseguiu a façanha de contrariar praticamente
todas as tendências da experiência internacional. Além disso,
atribuía excesso de poder ao Conselho de Cidades, aparelhado pela
burocracia partidária, trazendo ainda maior insegurança jurídica.
Ao responder a perguntas no último encontro do Fórum Econômico
Mundial para a América Latina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
foi corretamente crítico em relação ao populismo e enfático quanto à
necessidade de investir em saneamento. Segundo o presidente,
"...fazer saneamento básico, às vezes, não é politicamente,
eleitoralmente correto, porque você enterra manilha, ela está embaixo
da terra e ninguém vê. E político latino-americano gosta é de fazer
ponte para colocar o nome da família. É isso que dá voto, então as
pessoas fazem isso". Mas o governo Lula não tem seguido as palavras
do presidente Lula. Segundo estudo da pesquisadora Lena Lavinas, da
UFRJ, citado em reportagem da Folha, o gasto federal com saneamento
básico e habitação teria caído sensivelmente (embora essa conclusão
seja contestada pelo governo). Some a isso o fato de que o governo
elevou a carga de PIS/Cofins sobre o setor, inibindo ainda mais o
investimento. Não surpreende nesse contexto que a Pnad registre queda
na proporção de domicílios entre os 40% mais pobres do país com
acesso a rede de esgoto ou fossa séptica de 59%, em 2001, para 55%,
em 2004.
Mas o leitor já deve ter se acostumado com a diferença entre discurso
e prática. Por exemplo, no final do livro ironicamente intitulado
"Formando Equipes Vencedoras", de Carlos Alberto Parreira, por
exemplo, somos condenados a ler acerca de pelo menos três
ensinamentos para o sucesso da seleção brasileira: "Aprenda a
identificar o que deve ser mudado, trabalhe duro e garanta a
disciplina".
Nossa infra-estrutura social merece melhor sorte do que a seleção
teve na Alemanha.