Veja nº 1957 (20/05/06)
O Brasil foi construído por povos de fraca tradição agrária. De fato, ao enxotar os mouros, Portugal perdeu as melhores técnicas de cultivo da terra, trazendo ao Brasil uma agricultura rudimentar. Os africanos vinham de regiões com agricultura atrasada e os índios eram nômades. O gado era pé-duro. Quando acabou o ouro de aluvião, o barão de Eschwege (o geólogo Guilherme von Eschwege, 1777-1855) descreveu a incompetência tecnológica da nossa sociedade para minerar com maior complexidade. A borracha, distante e em seringueiras dispersas, não resistiu à maior eficiência das plantations da Malásia. O bicudo comeu o algodão do Nordeste. Não vencemos o desafio dos trópicos.
Em meados do século XIX, pensava-se que trazendo imigrantes de regiões mais avançadas resolveríamos a equação tecnológica da agricultura. Era a segunda tentativa. Vieram os alemães, os italianos e os japoneses.
Mas não deu tão certo assim. O café era medíocre e "cansava" a terra. O trigo e a soja não gostaram do clima. Uma praga comeu a pimenta dos japoneses de Tomé-Açu. Em 1920, Emílio Willems descreveu a saga dos alemães do Sul, de pés descalços, com malária e perdendo a guerra contra as formigas e a erosão. Nas colônias alemãs do Espírito Santo foi ainda pior. Os italianos da Serra Gaúcha produziam um vinho medíocre. Com toda a sua empáfia, os americanos fracassaram nos seringais da Amazônia.
É que havia um erro na equação. Os europeus eram avançados na Europa, porque começaram a experimentar, três ou quatro milênios antes, a partir do êxito na domesticação do trigo selvagem. Mas o que trouxeram de pouco servia nos trópicos. Os brasileiros viam como perdida a luta contra a saúva e a natureza tropical inclemente. Os trópicos eram invencíveis.
Durante todos esses séculos, nossa capacidade científica estava próxima de zero. Mas, graças ao crescimento vertiginoso da pesquisa, a partir da década de 1970, ao dinamismo crescente do setor privado e à melhor educação dos imigrantes italianos e alemães, o país se armou para uma terceira tentativa de não ser vencido pela natureza. A ciência moderna permite comprimir o período necessário para melhoramentos e adaptações genéticas, bem como o ciclo de inovações no cultivo. Na esteira da Revolução Verde, fizemos em três décadas o que a Europa fez em três milênios. Depuramos tecnologias para operar nos trópicos.
Importamos o arado da Europa, sem saber que é a técnica errada em países sem inverno rigoroso. Custamos, mas inventamos o plantio direto, sem arado. Desenvolvemos um tipo de soja para o Paraná e outro para o cerrado – onde não se considerava possível plantar essa leguminosa. Hoje, nem com subsídio a soja americana consegue competir com a nossa. O trigo passou a ser viável e somos imbatíveis nos eucaliptos. Em uma década, de importadores viramos exportadores de maçã. Estamos aprendendo a plantar café irrigado. Novas variedades de algodão invadem o cerrado. A qualidade do rebanho deu um salto. Há vastos seringais em São Paulo. Aprendemos a fazer o álcool mais barato do mundo. Está em curso a primeira tentativa de produzir vinho de qualidade acima do paralelo 8º – com o estratagema de substituir o choque térmico do frio por um choque de desligamento da irrigação.
Temos sol, água e terra abundantes. Mas, como nos disse Jacob Bronowski (1908-1974), o homem é produto da tecnologia que criou para lidar com a natureza. Os colonizadores chegaram aqui com tecnologias rudimentares. A imigração européia veio com uma tecnologia inadaptada ao nosso meio. Só deu certo quando aprendemos a desenvolver nossa própria tecnologia, tal como os europeus conseguiram desenvolver a deles, após milênios de labuta.
Apenas engatinhamos, e há muito a ser feito – por exemplo, é ínfima a pesquisa florestal. Países concorrentes estão nos nossos calcanhares. E, a todo momento, a Embrapa, outros centros de pesquisa e as universidades agrárias passam sustos, com uma praga nova ou mesmo com a saúva querendo voltar. Ou com a praga dos cortes de verbas, ideologias obscurantistas e ameaças de politização. A terceira tentativa traz uma vitória frágil, com risco de gorar.
Claudio de Moura Castro é economista
(Claudio&Moura&Castro@attglobal.net)