Tapa na cara |
Por Fábio Santos |
Evo Morales ignorou completamente aquele a quem considerou uma espécie de irmão mais velho — o presidente Lula — e nem sequer notificou o governo do Brasil sobre o conteúdo de seu decreto nacionalizando o setor de gás e petróleo na Bolívia. O Palácio do Planalto, a Petrobras, os ministérios de Relações Exteriores e de Minas e Energia foram todos pegos de surpresa pela medida que expropria, ao menos em parte, o capital da estatal brasileira e, por extensão, do Estado e dos investidores brasileiros. O presidente boliviano, cuja eleição Lula considerou um sinal do avanço democrático sul-americano, deu uma espécie de golpe militar, não contra o Estado, mas contra o direito de propriedade e, portanto, contra a própria democracia. Foi um tapa na cara do Brasil. E o Planalto ainda estava com as calças nas mãos, acreditando que poderia negociar com Morales. Nesta segunda, antes que circulassem informações sobre o decreto do boliviano, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, ainda defendia algum tipo de acordo com a Bolívia. Depois de anunciada a nacionalização, a irritação de alguns membros do governo brasileiro era visível. Outros ainda acreditam que podem negociar algo. Parece ilusão alimentada pela arrogância de quem se imaginava líder e pela ignorância de quem prefere tapar os olhos à realidade, deixando os ouvidos abertos a lengalengas ideológicos. Os detalhes de como vai se dar a nacionalização ainda são desconhecidos — os nove artigos do decreto são um tanto obscuros —, mas é certo que há desrespeito a contratos e aos direitos das empresas estrangeiras. Pode até ser possível algum tipo de ajuste na implementação das medidas, mas é difícil imaginar que Morales retroceda. Ele acredita no que fez, foi eleito prometendo fazê-lo e, para se manter no poder, precisava cumpri-lo. Voltar atrás pode esfarelar a sua instável base de sustentação, um amontoado de movimentos sociais, sindicatos e interesses difusos e confusos. Sobra muito pouco espaço para negociações. Eis aí o resultado da política externa terceiro-mundista arquitetada por Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-executivo do Itamaraty, e Marco Aurélio Garcia, assessor especial do presidente Lula. Logo que o petista assumiu, tudo em que se pensava era mostrá-lo como um novo líder latino-americano, alguém capaz de falar ao Norte e ao Sul, construir pontes, transpor barreiras e reorientar a política externa brasileira. Em vez de Europa e EUA, o foco seriam os demais países em desenvolvimento, em especial os sul-americanos. Em janeiro de 2003, Lula prometia "desbravar a América do Sul, que está tão próxima e tão distante ao mesmo tempo". Segundo sua análise, "todos os países da América do Sul vêem no Brasil uma liderança quase que natural para o continente. Só o Brasil é que, durante 500 anos, não enxergou e não quis fazer isso". Há anos, desde que o governo José Sarney lançou o Mercosul, é evidente que o Brasil precisa reforçar sua presença no espaço geopolítico e econômico sul-americano. Mas Lula e seus estrategistas achavam que era chegada a hora de cumprir o destino desta imensa nação, anunciava Lula e seus estrategistas. Pois bem: nesse afã, o PT e o Itamaraty, cederam às má-criações do argentino Néstor Kirchner, associaram o país à Venezuela de Hugo Chávez e saudaram a chegada da Bolívia de Morales, numa espécie de eixo populista. No percurso, deixaram de perceber que Chávez tinha seus próprios objetivos, que não eram exatamente os mesmos do Brasil. Montado na montanha de dinheiro que arrecada com petróleo, o populista venezuelano atropelou a suposta liderança de Lula, atraindo para seu lado a Argentina e os pequeninos Uruguai e Paraguai. Com sua sensibilidade de autocrata, ainda implodiu a frágil Comunidade Andina de Nações, comprando uma briga sem tamanho com o Peru de Alejandro Toledo, para ajudar o populismo racista de Ollanta Humala, e se indispondo ainda mais com a Colômbia. Ajudou também a aumentar a balbúrdia no já esculhambado Mercosul. Assim o "nosso líder", que se queria líder também da América do Sul, acabou com um mico na mão. Desde que a Argentina ainda era vista como um possível adversário militar e ameaçava liderar uma corrida pela bomba atômica na região, nunca os interesses do Brasil estiveram sob tamanho ataque. E agora? Contemporizar é desrespeitar os cidadãos brasileiros que, em última instância, são os donos da Petrobras — sem contar aqueles que são também acionistas da empresa. Levar a Bolívia a um tribunal de arbitragem internacional, como previsto nos contratos da estatal brasileira e das demais petroleiras que atuam no país andino, é jogar fora a ilusão de que somos todos países irmãos. [fabio@primeiraleitura.com.br] |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, maio 01, 2006
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