Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 23, 2006

O perigo que vem de fora




editorial
O Estado de S. Paulo
23/5/2006

Mercados de todo o mundo foram atingidos por uma onda de pessimismo, ontem, só revertida em Nova York no fim da tarde. Os preços de ações despencaram, os emergentes perderam investimentos e suas moedas caíram abruptamente. Enquanto isso, o capital internacional buscava destinos considerados mais seguros, como os títulos em dólares. Temor de inflação em alta e juros maiores nos Estados Unidos já havia afetado os negócios na semana passada e manifestou-se com mais força nesta segunda-feira. Nenhum mercado de ações ficou imune. A queda ultrapassou 2% na maioria. Passou de 5% em Viena, Praga e Varsóvia e chegou a 9,1% em Moscou. O Ibovespa chegou a cair mais de 5%, mas fechou com baixa de 3,28%, e o dólar saltou para R$ 2,30 na BM&F, com alta de 4,17%. O risco Brasil oscilou, de manhã, entre 264 e 286 pontos. No dia 1º de maio estava em 214. A economia brasileira "reduziu drasticamente sua vulnerabilidade externa", disse ontem o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, enquanto se acumulavam as notícias de instabilidade em todo o mundo. Que o País esteja menos vulnerável do que há alguns anos não se discute. Mas há razões para temer que o governo esteja abandonando, num momento especialmente impróprio, a tarefa de reforçar as defesas.

Vários economistas têm feito soar o alerta. A situação fiscal, um dos fatores levados em conta na avaliação do risco país, ainda está longe de ser satisfatória, apesar da sucessão de superávits primários, isto é, da economia feita, nos últimos anos, para o pagamento de juros devidos pelo Tesouro. A economia, no entanto, ainda tem sido insuficiente para equilibrar as contas públicas. A relação entre a dívida oficial e o PIB continua muito alta, acima de 50%, e as projeções indicam uma lenta redução nos próximos anos.

A vulnerabilidade menor tem resultado principalmente da melhora das contas externas. Essa evolução tem sido proporcionada pelo aumento da exportação, favorecido pela prosperidade global, e pelo excesso de recursos no mercado financeiro externo. O Brasil passou a exibir superávits na conta corrente do balanço de pagamentos e a acumular reservas.
Mas isso não basta para proporcionar a segurança desejada. A situação internacional é insegura e a correção do desequilíbrio global trará de volta problemas que ficaram "ausentes", ou quase, durante alguns anos. O recente aumento da aversão ao risco no mercado financeiro internacional "é uma primeira demonstração de quais poderão ser os efeitos", advertiram os economistas Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti num artigo no jornal Valor.

Em vez de aproveitar a boa fase internacional para arrumar suas contas e favorecer o crescimento seguro, o governo brasileiro, com objetivos eleitorais, "decidiu elevar os gastos públicos, o que, a longo prazo, não é sustentável", observaram os dois economistas. Pior que isso: as autoridades cederam à tentação de não computar alguns investimentos no cálculo do resultado fiscal, enveredando pela "contabilidade criativa". Comentários semelhantes foram feitos, nos últimos dias, por especialistas estrangeiros, temerosos de um relaxamento da política fiscal por interesses eleitorais.

A grande alta do risco Brasil, nos últimos dias, mostra que o mercado financeiro não se comove muito com as desculpas e explicações das autoridades de Brasília, quando se trata de encontrar lugares seguros para o capital. É inútil dizer que os aplicadores internacionais estão errados e que sua reação é injusta em relação ao Brasil.

Na melhor hipótese, os mercados passarão a operar com um pouco mais de calma nos próximos dias, à espera da próxima decisão do Federal Reserve, o banco central americano, a respeito dos juros. Mas os motivos de nervosismo não vão desaparecer a curto prazo.

O melhor que o governo brasileiro pode fazer, agora, é levar a sério os sinais de advertência e reafirmar, de modo convincente, o compromisso com a austeridade fiscal. A exportação continua em alta e o saldo comercial não vai cair de um dia para outro. Mas é preciso que o País se prepare para condições menos favoráveis no exterior. Os exportadores continuam mobilizados para vender, mas a segurança externa depende também de outros fatores. Um dos mais importantes é a credibilidade fiscal, que o governo ainda não consolidou.

 

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