Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 13, 2006

Lula, Alckmin, as pesquisas e o teto maldito Por Rui Nogueira

PRIMEIRA LEITURA


Há um bocado de torcida e de mediunidade – e não serei eu a dizer que as pessoas estão proibidas de torcer ou de receber mensagens do além – nas análises dos eufóricos e dos pessimistas sobre as eleições de outubro próximo. Depois da somatória dos efeitos imediatos dos escândalos com a iniqüidade das políticas públicas, os eufóricos olham para o desempenho de Lula nas pesquisas de intenção de voto, comparam-no com o desempenho do candidato tucano, Geraldo Alckmin, e concluem que o presidente está reeleito. Os pessimistas, não sem razão, lêem os mesmos números e concluem que os primeiros passos de Alckmin indicam não haver como virar o quadro.

Animador seria, diz quem quer derrotar Lula, que Alckmin já estivesse muitos pontos à frente do presidente, que o quadro de intenções de voto exibisse um Lula em frangalhos, irrecuperavelmente ferido pelos escândalos e pela governança incompetente que desaguou por inteiro na crise do gás boliviano. Porém, para além da resistência política natural de um homem de bom paleio e usuário da máquina pública sem nenhum constrangimento para fins eleitorais, que cacife tão assustador já teria Lula?

Dúbio?
Sem torcida e dons mediúnicos, Sua Excelência, dizem hoje todas as pesquisas, tem um terço das intenções de voto. O terço que não garante nada. Ou melhor: no momento, não garante que Lula vai ganhar, mas mostra que a oposição pode perder. O desembaraço político prévio de Alckmin e assessores preocupa, mas não se trata, à luz do que dizem as pesquisas, de um caso de desespero. Por que preocupa? Não vou entrar nesse debate sobre ser "mais duro" ou "mais mole", bater "mais forte" ou "mais suave". O que precisa é ser menos voluntarista, precisa estudar as respostas, ser rápido e certeiro do ponto de vista político, ferir mesmo, em vez de dar declarações vagas.

Dou um exemplo, que me parece categórico: na Bahia, nesta sexta-feira, Alckmin disse que Lula está sendo "dúbio" e "submisso" em relação à crise com a Bolívia. A rigor, uma coisa anula a outra. Se é submisso é submisso, não há dubiedade alguma. Assumo uma empáfia estratégica para ditar e provocar: ora, governador, quem está sendo dúbio é o senhor. Essa crise tinha de ser aproveitada para nadar de braçada, e nem precisa fazer crítica oportunista. É um desastre o comportamento do governo Lula em matéria de política externa.

Não xingue, bata politicamente pra valer, exponha a adesão petista ao nacional-estatismo bolivariano-evista. Diga o que o chefe de Estado Alckmin faria de realmente diferente, mostre o que o chefe de Estado Lula está deixando de fazer por ser um bananão demagogo. Só não deixe que suas críticas o transformem em vítima. O candidato tucano também disse que Lula é "violento" com caseiros, mas "fraquinho" para defender os interesses do Brasil. Está errado. Misturou duas coisas, enfraquecendo-as. Uma coisa é a política externa populista de Lula, que está impondo uma derrota ao país. Outra é a violação do Estado de Direito, um governo que para salvar a pele de um ministro poderoso, o da Fazenda, chega a ponto de estuprar os direitos de um cidadão. Foi a caseiro, mas poderia ser qualquer "de vocês". 

Teto maldito
Voltando às pesquisas: Lula tem hoje, garantido, o que sempre teve, nas eleições de 1989, 1994 e 1998, o teto maldito em que sempre batia, mas vetava a subida da rampa do Palácio do Planalto. O movimento eleitoral tem esse ritmo: um terço, logo à partida, torce por Lula/PT; outro terço, também à partida, torce por alguém que seja anti-Lula/PT; o terceiro terço, o dos eleitores pendulares, que só fazem a opção em plena campanha eleitoral, completou a maioria da vitória anti-Lula/PT em 1989 (Collor), 1994 (FHC 1) e 1998 (FHC 2), mas derrotou José Serra em 2002 e entregou a Presidência a Luiz Inácio Lula da Silva.

Neste maio, a cinco meses da eleição, dá para afirmar que Lula recondicionou o seu terço histórico. Perdeu muita gente da classe média urbana e alicerçou-se em um mix que junta classe média e média baixa, que mantém ojeriza a tucanos – menos pelo que eles são e fazem e mais por ainda acreditar que o Estado é a salvação dos homens na terra –, com a população de mais baixa renda dependente do Bolsa Família. Olhando essa composição, dá para perguntar: será que Lula arruma o outro terço, aquele que lhe daria a reeleição?

Tenho minhas dúvidas sobre o tamanho do espaço que Lula tem para crescer. É bem verdade que o que ele tem serve, no mínimo, para passar a um segundo turno. É verdade, também, que, a depender dos demais candidatos ao pleito de outubro, quantos são, quem são e como são, pode acontecer de eles se engalfinharem na disputa pelos dois terços restantes. Se Lula tem, no mínimo, o latifúndio do um terço garantido, e não é aceitável que ele tenha menos que isso, e os demais candidatos lotearem em minifúndios eleitorais os outros dois terços de intenções de voto, a reeleição do presidente fica mais fácil. Mas, afora Alckmin, todos os outros nomes pré-postos ou têm altíssima rejeição (Garotinho e Heloísa Helena, por exemplo) ou têm baixa viabilidade partidário-eleitoral (Cristovam, Freire etc.).

Os crentes
Que definição existe sobre o que pode acontecer com esses dois terços de intenção de voto? É aceitável dizer que a eleição de outubro próximo está menos para as teorias que falam em quem sai na frente ou sai atrás, curvas que se cruzam ou não, candidato que colou ou não colou. Dá para dizer que Lula tem o cacife que junta os crentes amealhados pela pregação do petismo oposicionista com o que ele construiu na Presidência e que Alckmin é viável pela baixa rejeição. Pelo menos em teoria, quem seria o anti-Lula? Se é o tucano, ele tem, no mínimo, um terço de intenções de voto. Tal qual Lula. Por que ele não aparece nas pesquisas com os mesmos 30% do petista? Porque só Lula tem o voto dos crentes, daqueles que não têm dúvida alguma que votarão nele com orgulho declarado, aconteça o que acontecer.

A eleição de outubro está mais para o padrão registrado no referendo sobre o comércio de armas, realizado no ano passado. As primeiras pesquisas davam até 80% de vitória ao sim. Uma barbada, teorias mil sobre a ojeriza histórica e profunda do cidadão brasileiro a comerciantes, mais ainda a comerciantes de armas. Virou na argumentação bem martelada ao longo da campanha. Apostar que Lula arruma fácil o outro terço é apostar, com alguma dose de cinismo, que o eleitor vai passar meses de ouvidos lacrados aos argumentos da oposição.

O governo Lula é bom? Se é bom pelo que aí está, não vejo como é que um candidato de oposição não possa garantir aos eleitores a manutenção do que é realmente positivo! O governo Lula é corrupto? É, e não vejo onde está a dificuldade para um candidato de oposição estabelecer a diferença entre um governo corrupto e incompetente e um governo com corruptos – e como eles devem ser tratados.

Então, segundo as pesquisas, descontadas a torcida e as mensagens do além, o que Lula tem hoje para ganhar a eleição de outubro? O que teve em 1989, 1995 e 1998... e não ganhou a eleição.

[ruinogueira@primeiraleitura.com.br ]
Publicado em 12 de maio de 2006.


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