Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 13, 2006

Lições de Morales GESNER OLIVEIRA



A nacionalização dos ativos petrolíferos promovida de maneira espalhafatosa pelo presidente boliviano, Evo Morales, encerra pelo menos quatro lições úteis para a discussão da integração regional e desenvolvimento.
A primeira lição diz respeito à natureza da esquerda populista, que tem no presidente venezuelano, Hugo Chávez, sua expressão mais caricatural. Ficou evidente que não há nem pode haver afinidade entre os interesses brasileiros e o chavismo.
A ambigüidade do governo brasileiro a esse respeito acarreta custos para o país. O descaso de Chávez pelas instituições democráticas e a inconsistência de sua política econômica são exemplos daquilo que não deve ser feito.
Conforme destacado em artigo recente de Jorge Castañeda na revista "Foreign Affairs", a esquerda populista não tem nenhum programa de transformação ou revolução social. Seu fôlego político depende da disponibilidade de recursos para políticas assistencialistas que não atacam a problema da pobreza e da má distribuição de renda. Chávez sobreviverá enquanto os preços do petróleo estiverem em alta.
A segunda lição está associada à importância das regras e do respeito aos contratos. Pimenta nos olhos dos outros é colírio. Quando no passado o PT defendia o calote da dívida, não se ponderava a importância de respeitar contratos e as conseqüências de sua violação.
O episódio de Morales é ilustrativo. A expropriação de ativos e a elevação de impostos acarretaram anúncio de redução de investimentos por parte da Petrobras. É fácil perceber o equívoco da decisão de Morales e suas conseqüências nefastas para a própria Bolívia. Mas quantas decisões arbitrárias nos segmentos de infra-estrutura no Brasil não levaram ao mesmo resultado e foram estimuladas pelo governo?
A terceira lição reside na predominância da lógica doméstica nas políticas externas dos diferentes países do continente. Os observadores mais experientes da política boliviana não tiveram dificuldade de relacionar a ação de Morales aos seus objetivos para as eleições para a Assembléia Constituinte.
A rápida popularidade obtida com a bravata nacionalista talvez lhe assegure a maioria de dois terços necessária para mudanças drásticas no regime boliviano. Tudo indica que Morales estaria flertando com um projeto chavista de aumento exagerado de seu poder pessoal em detrimento de tão urgente processo de construção de instituições democráticas na Bolívia.
Mas não é só na Bolívia ou só nos países em desenvolvimento que prevalece a lógica eleitoral doméstica em prejuízo de avanços na integração e liberalização comerciais. O fracasso até agora das negociações da Rodada Doha da OMC também se deve em grande medida a resistências internas de países europeus à eliminação de subsídios à agricultura.
Tal resistência paralisa o processo negociador não apenas na OMC mas também em blocos regionais como a Alca. Isso gera ainda mais espaço para projetos tresloucados como o da Alba, promovido por Fidel Castro, Chávez e agora também Evo Morales.
A quarta lição está relacionada ao tipo de atração que um país como o Brasil pode exercer para de fato assumir de maneira realista uma posição de liderança regional. O Brasil não dispõe de fartos recursos oriundos de receitas com o petróleo, como é o caso de Chávez. E, mesmo se pudesse contar com tais recursos, não deveria sair distribuindo sem nenhum critério, como é o caso do atual regime venezuelano.
Tampouco o Brasil dispõe de um mercado tão grande e atraente como o dos EUA. Fazendo o ajuste pela paridade do poder de compra, a economia brasileira representa pouco mais de 15% da dos EUA. Assim, é difícil deter o processo de conquista dos países menores, que estão sendo levados a assinar acordos bilaterais de comércio com os EUA. Chile e Peru já fizeram e será difícil impedir o Uruguai de seguir o exemplo. Tal processo enfraquece ainda mais o Mercosul e desvia comércio em prejuízo do Brasil.
A forma pela qual Evo Morales promoveu a nacionalização do gás boliviano é primária e anacrônica. Deveria servir ao menos para o Brasil repensar sua política externa e construir uma agenda radicalmente distinta de integração.


Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br

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