Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 16, 2006

A inépcia do governo boliviano



editorial
O Estado de S. Paulo
16/5/2006

A crise com a Bolívia será agora cozida em banho-maria. O presidente Evo Morales foi muito longe com suas bravatas e teve de recuar. Ao chanceler espanhol Miguel Angel Moratinos, enviou carta na qual nega ter acusado a Espanha de descumprir compromissos, como o perdão da dívida boliviana e a duplicação do auxílio enviado àquele país. Como se sabe, é com a ajuda contumaz dos países europeus que a Bolívia paga seu funcionalismo e faz funcionar certos serviços básicos, pois não dispõe de um sistema confiável de arrecadação fiscal, que funcionários brasileiros têm ajudado a implantar.

Quanto ao que disse sobre o Brasil e as empresas brasileiras, Evo Morales explicou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda em Viena.

O presidente da Bolívia atribuiu o profundo mal-estar que suas declarações provocaram nos dois países à irresponsabilidade da imprensa, que não teria reproduzido com exatidão as suas palavras. Esse é um recurso cada vez menos usado por políticos de terceira categoria quando surpreendidos com a repercussão de suas declarações. Até eles sabem que suas entrevistas são gravadas, não tanto para facilitar o trabalho dos repórteres, mas justamente para evitar que alguém menos escrupuloso diga que não disse o que disse.

O fato é que Evo Morales voltou a afirmar - como fazia antes de dar ouvidos ao presidente venezuelano Hugo Chávez - a importância da cooperação brasileira para a Bolívia, comprometendo-se, segundo informou o chanceler Celso Amorim, a manter as relações bilaterais "com base nos documentos assinados".

Ora, se o respeito às verdades mais elementares não é o forte do governo boliviano - não só do presidente, mas também de alguns de seus ministros, que manipulam os fatos à sua conveniência -, não se espere acatamento integral ao que está escrito.

O que choca nas atitudes do governo boliviano não é tanto a sua vocação para o atraso, resumida na nostalgia das formas de propriedade e organização social pré-colombiana. É a leviandade e a ignorância que seus membros revelam a cada momento. Quando Evo Morales anunciou seu Ministério, advertimos nesta página para as conseqüências do quase absoluto despreparo de seus ministros, tanto para a gestão do Estado como para compreender o que se passa no mundo. Desde então, nossas preocupações só têm se justificado.

Por exemplo, foi graças a jornalistas brasileiros, durante entrevista coletiva, que o vice-presidente Alvaro Garcia Linera - matemático e sociólogo, leitor de Marx, Weber e Pierre Bourdieu e o membro mais ilustrado do governo boliviano - descobriu que a Petrobrás é uma empresa estatal. "Imaginava que fosse uma empresa sob controle privado." O ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz, não apenas cometera o mesmo erro, como afirmou que empresas estrangeiras detinham 60% das ações de controle da Petrobrás.

É espantoso que as mais altas autoridades do país, inclusive as diretamente encarregadas da nacionalização dos recursos naturais, não soubessem que a maior empresa em operação na Bolívia, responsável pela arrecadação de cerca de 20% dos recursos fiscais, fosse uma estatal brasileira.

E fazer a lição de casa não é um hábito do atual governo boliviano. O presidente Morales insultou o Brasil ao afirmar que a Petrobrás sonegava impostos e fazia contrabando. Pois vem o presidente da Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia, Jorge Alvarado, esclarecer que Evo Morales trocou a Repsol, a quem queria se referir, pela Petrobrás. E o espantoso é que, após fazer o reparo, Alvarado tenha passado a acusar a Petrobrás de ter assinado contratos "inconstitucionais", fraudar a classificação de campos de gás, fazer remessas ilegais de divisas e sonegar impostos.

O fato é que a Petrobrás e outras empresas brasileiras que operam na Bolívia respeitaram a legislação em vigor. O atual governo, por motivos ideológicos, não concorda com o arcabouço jurídico que deu sustentação à abertura da economia, a partir de 1993. Essa mudança de orientação não torna, ipso facto, contratos legais em documentos espúrios. Mas será demais esperar do atual governo boliviano que entenda que herdou todos os compromissos assumidos pelos governos anteriores - e precisa respeitá-los.

 

Arquivo do blog