| PRIMEIRA LEITURA |
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| Impeachment. Impeachment agora, e não daqui a pouco, depois de medir a temperatura da opinião pública para verificar se ela também está escandalizada. Meu crânio lembra o de Hermann, o monstro, mas não perdi o juízo. E este texto vale meu cansaço fora da prescrição médica. Depois retomo a minha vagabundagem convalescente. Quando escrevo a palavra "impeachment", sei bem que o processo não depende apenas da vontade das oposições e dos brasileiros que ainda restam com vergonha na cara. Mas sei também que lutar por ele passou a ser um imperativo ético. Impeachment agora, e não daqui a pouco. A rigor, já não depende mais nem mesmo da vontade das oposições agir ou não nesse sentido. Há algo acima delas: os fatos. Ou assim procedem ou se dissolvem como alternativa de poder. Os que se opõem a Lula NÃO se comportaram, antes, como fiéis depositários da Constituição e das instituições. Tremeram como vara verde e correram para proteger seus próprios implicados em lambanças, igualando ladrões de cavalo a mafiosos. Refiro-me ao momento em que Duda Mendonça confessou na CPI que recebeu dinheiro ilegal para fazer a campanha presidencial do PT. Houve ali acomodação. Fez-se a aposta errada: Lula sangraria no cargo. Não aconteceu. Pois que os oposicionistas mostrem agora se o Brasil tem alguma chance de futuro. Impeachment agora, e não daqui a pouco. E que se dane o tal "povo" se ele disser em pesquisas que quer a permanência de Lula ou pretende vê-lo reeleito. Nas democracias, os valores e os princípios vêm antes da vontade das maiorias. O teste é fácil e aborrecido: façam-se consultas populares para saber se as massas querem ou não linchamento e amputação de membros de bandidos presos em flagrante. O resultado seria óbvio. Sem os tais princípios, a barbárie mora é na chamada "vontade coletiva". Se ignoramos o povo quando quer esfolar ele próprio os pilantras — e isso está certo —, por que havemos de segui-lo quando quer referendar a pilantragem? Impeachment agora, e não daqui a pouco, quando a opinião pública estaria "madura", como se a roubalheira dos quadrilheiros só pudesse ser percebida por quem alcançasse certo estágio da informação iluminista. Aos diabos com essa conversa. Melhor que as oposições percam as eleições — se assim quiserem os eleitores — defendendo as instituições do que ajudando, pelo silêncio e pela covardia, a enxovalhá-las. Impeachment agora, e não daqui a pouco. A Câmara talvez negue a autorização para processar o presidente da República; o Supremo talvez corra em seu socorro, como já fez em muitas outras ocasiões, mas que, então, estes entes e suas lideranças, com nome, fuça e endereço, arquem com a responsabilidade e dêem a sua cara à história, coadjuvando a narrativa protagonizada pelos quadrilheiros. Na hipótese de admissão de um processo de impeachment, os baderneiros ameaçariam botar fogo no país. Impeachment agora, e não daqui a pouco. Incendiários devem ser tratados segundo os rigores das penas democráticas: xilindró. Lá poderão conviver com formadores de quadrilha, narcotraficantes e subversivos do Estado de Direito. Fernandinho Beira-Mar, um amigo das Farc, diga-se, está preso. As Farc são aqueles narcoguerrilheiros colombianos que integram, com o PT, o Fórum São Paulo, criado por Lula. Vamos promover uma festa de aliados. Na cadeia. Permitamos que essas siglas ditas "populares" se juntem a uma outra, o PCC. Reunidas, as várias faces do Mal podem ser combatidas com mais facilidade. As democracias prevêem um lugar para guardar ladrões, assassinos, seqüestradores e funcionários públicos que praticam concussão, extorsão e corrupção passiva. Impeachment agora, e não daqui a pouco. Ainda que a história narrada pela revista Veja sobre contas secretas no exterior não venha a se confirmar, há, a justificá-lo, uma penca de outros motivos, incluindo o pagamento que uma empresa de Daniel Dantas fez à Gamecorp, do filho de Lula, e a dinheirama que o banqueiro jogou nas mãos de pessoas da cozinha presidencial. Impeachment agora, e não daqui a pouco. Porque às oposições só restou ganhar ou perder as eleições de outubro com honra. Ou seja: só lhes restou ter ou não ter honra. O contrário disso é se juntar a Lula num abraço de afogados, mandando o país à breca. Porque não duvidem: se o Apedeuta ganhar um segundo mandato, não terá como concluí-lo sem jogar o país numa crise sem precedentes. Impeachment agora, e não daqui a pouco. "Somos um povo honrado governado por ladrões". Essa era a manchete que Carlos Lacerda cravou na Tribuna da Imprensa, em 2 de agosto de 1954, 23 dias antes de Getúlio Vargas se matar não porque seu governo fosse honesto, mas porque ele também estava cercado de bandidos. Lacerda se adequava à metafísica populista da época e exagerou num ponto: o povo não é assim tão honrado. O resto valia. E vale. Impeachment agora e não daqui a pouco. Adaptei minha infância trotskista à democracia, e meu lema para o "Programa de Transição" que deve extinguir o petismo é o seguinte: "A crise da democracia representativa é uma crise de liderança". Quem se apresenta? Diogo Mainardi Eis aí: o que se lê na Veja e só em parte nos jornais (porque chegaram atrasados) é a comprovação de uma penca de colunas suas sobre o caso. A entrevista que ele faz com Dantas na edição desta semana precisa ser relida com cuidado. E dou destaque a dois trechos: Reparem que Dantas não nega o pagamento. Mainardi encerra seu texto dizendo que o banqueiro "cedeu aos achacadores". Mas o mais interessante está no artigo do Código Penal citado pelo empresário: o 316. O colunista fala em "extorsão". Dantas diz que o termo é outro. Talvez não tenha se lembrado na hora. O tal dispositivo fala em "concussão". E assim está redigido no Código: "Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa." Trata-se de um empresário sabidamente esperto, com advogados muitíssimo amestrados: a concussão difere da caracterização da "corrupção passiva", que está no artigo 317. Afinal, havendo um "corrupto passivo", supõe-se a existência de um corruptor. Dantas não nega o crime, mas quer deixar claro que se considera vítima. Ou seja: não corrompeu ninguém. No caso em particular, acredito nele. Outro momento emblemático da conversa se dá quando o colunista indaga se a contratação, por Dantas, de um amigo de José Dirceu facilitou ou não a sua vida de empresário: (...)" Esso Lula, por sua vez, diz que os repórteres de Veja merecem o Nobel da Mentira. Pois é... Mas não teve a coragem de dizer que Daniel Dantas está mentindo. Atenção: quem põe o governo em palpos de aranha não é a revista, mas o banqueiro. A exemplo do que Antonio Palocci fazia com Rogério Buratti, o presidente preferiu não comprar a briga. Deve saber por quê. Dantas dá a entender que está bastante calçado em documentos e, quem sabe?, numa prova que seria a Kryptonita do Super-Apedeuta. Parece que o banqueiro baiano pode ser para Lula uma ameaça pior do que a Crítica da Razão Pura. PCC e Kassab Ontem, a propósito, vi na TV a entrevista de um senhor que é chefe de uma ONG que lida com presos. Falava das rebeliões. Não dirigiu uma miserável crítica aos bandidos. Todas elas foram desferidas contra o governador Claudio Lembo. E ele escandia sílabas com uma suavidade feminil, amaciada, com a melodia de algumas palavras passeando por maneirismos sonoros que antes se pareciam com um vício profissional. A sua paixão por marginais, claro, é um problema de divã. Mas falava como um especialista. Em tempo: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, fez mal em demitir um assessor, Lutero Mainardi, que classificou alguns padres e algumas ONGs de cafetões de sem-teto. Lutero está certíssimo. Minha solidariedade. Se Kassab acha que essa gente que vive da miséria alheia e a transforma numa teologia vai lhe dar folga por isso, está muito enganado. Em linguagem de mercado financeiro, diria que o prefeito piscou. E agora vai ficar sujeito a permanentes ataques especulativos. Vão tentar seqüestrar a sua autoridade. Que Deus, aquele que não dá pinta em passeata, tenha piedade de nós. Eu e o crânio Cometi algumas gafes quando fui comprá-los, o que me valeu o olhar de censura que os veteranos dispensam aos novatos que pretendem ser iniciados numa tradição antiga, numa irmandade. Optei pela estrita disciplina ao cânon, pondo um pouco de lado a minha inata rebeldia contra modelos muito rígidos. Fabricam-se excelentes Panamás no Equador, por exemplo, o que eu ignorava completamente. Descobri que se pode dedicar uma vida estudando a gênese e a história ativa dos chapéus. Cheguei a pensar num romance, de que um chapeleiro meticuloso seria o anti-herói. Inteiramente dedicado à sua arte, seu corpo e sua metafísica recenderiam a palha, juta e feltro, e isso faria dele um homem essencialmente bom, sem anseios, tão disciplinado em seu oficio como Kant em seus passeios. O romance me daria a chance de compor algumas frases de estoicismo frio, mimetizando essa literatura descarnada de vontades, tão ao gosto dos modernos. Seria assim a versão panamá de A Morte de Um Apicultor, de Lars Gustaffson, um dos melhores livros insuportavelmente chatos que já li. Continuo cansando com facilidade, o que é novo para mim. Mas também isso vai passar. Um amigo que trabalha no FMI — um desprezível traidor — me liga de Washington para saber se sinto falta dos meus tumores. Disse-me que estava de saída, com a mulher, para jantar num restaurante japonês. Tentei convencê-lo de que é impossível a um ocidental, salvo um brutal auto-engano, gostar de peixe cru, algas marinhas e nabo ralado. Não adiantou. Ele riu da minha piada velha em atenção ao meu crânio rachado. Sei também que ele ouve jazz, acha que sou meio surdo e deplora a minha insensibilidade para aqueles solos improvisados, que despertam em mim, como diria Jefferson, "os instintos mais primitivos". Ontem, nas vizinhanças, alguém tocava o maldito Bolero de Ravel a todo volume. Um homicida ancestral se remexeu nas tumbas do meu ódio... Fiquei com saudades da UTI do Einstein. Aproveito para pôr em ordem alguns livros, que foram sendo empilhados em qualquer canto quando eu convivia bem com meus inimigos ocultos. Mantenho a ordem na biblioteca a duras penas. Detesto aquele ambiente que confunde justaposição de volumes, ditada pela preguiça de arrumá-los, com excesso de pensamento. Esbarrei num Saramago (da minha mulher). Para mim, permanece pedregoso e intragável. O Ano da Morte de Ricardo Reis é o pior livro insuportavelmente chato que já li. Estou certo de que lhe deram o Nobel porque é comunista e porque o seu pensamento obscuro foi confundido com profundidade. Abri, reli algumas coisas. Ele não mudou, o que quer dizer que eu continuo o mesmo. Todo o Saramago deixa a gente menos esperto do que dez páginas de Musil lidas ao léu. Mais embaixo, um Guimarães Rosa, nosso sub-Goethe do sertão. Tinha tirado da estante para falar mal, dando seqüência a um texto que está em Contra o Consenso, e acabou que o tempo me fugiu. Volta para o seu lugar com suas charadas vocabulares que já devem ter roubado alguns milhões de dinheiro público em bolsas de mestrados e doutorados. Na pena de Rosa, Tiririca e Didi Mocó seriam superiores à Crítica da Razão Pura... Só os Manuscritos Econômico-Filosóficos, de Marx, renderam mais empulhação acadêmica do que Grande Sertão Veredas. O povo, generoso, paga o custo do ensino universitário público e gratuito que a esquerda defende como um direito inextinguível dos ricos. Se paga e não chia, merece é chicote. Como sabemos, um governo de ladrões não implica um povo honrado... Já vou acabando. Mais alguns dias de quietude, e volto. Ou a qualquer momento, a depender da minha (in)disposição física nestes dias um tanto difíceis. Nada mudou. Tanto menos o meu arbítrio para gostar e não gostar, o que só pode fazer mal, se fizer, a mim mesmo. Na terça-feira passada, cortaram a minha morfina, o que tira a gente da mania e conduz a uma depressão leve. Troquei dois tumores por um chapéu. E a morfina pela Flauta Mágica. [reinaldo@primeiraleitura.com.br ] |
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, maio 14, 2006
Impeachment Já, Diogo Mainardi, PCC e chapéus Por Reinaldo Azevedo
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