Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 20, 2006

Imigrantes e previdência social - Robert J. Samuelson


O discurso do presidente George W. Bush sobre imigração deixou escapar em grande medida a natureza do problema. Estamos diante de duas questões populacionais inter-relacionadas. Uma é o envelhecimento; a outra é a imigração. Não estamos lidando sensatamente com nenhuma delas, e por isso, teremos no futuro conflitos econômicos e políticos desnecessariamente exacerbados. De um lado, os baby boomers (a geração americana nascida logo depois da 2.ª Guerra Mundial) mais velhos reclamando seus benefícios de aposentadoria federal. De outro, uma população crescente de hispânicos mais jovens e mais pobres - imigrantes, seus filhos e netos - cada vez mais ressentidos com a elevação de seus impostos para subsidiar os baby boomers freqüentemente mais ricos e sem nenhuma relação com eles.

Isso parece um futuro harmonioso?

No entanto, não se captou um sinal de alerta no discurso de Bush da segunda-feira à noite. Nem se ouviu nada a respeito da maioria dos democratas e (a bem da verdade) da mídia dominante. Há muita confusão em nosso debate sobre a imigração. O problema central não é a imigração ilegal, mas os níveis indesejáveis de imigrantes pobres ou com baixa qualificação profissional, sejam eles legais ou ilegais, a maioria, hispânica. Os imigrantes não são todos iguais. Um engenheiro que ganha U$ 75 mil anuais contribui mais para a economia e a sociedade americanas do que um trabalhador que ganha U$ 20 mil. Em média, o engenheiro será mais facilmente assimilado.

Depondo recentemente no Congresso, o economista da Universidade de Illinois Barry Chiswick - um respeitado estudioso da imigração - disse o seguinte dos imigrantes pouco qualificados: "Sua presença no mercado de trabalho aumenta a competição pelos empregos pouco especializados, reduzindo os ganhos dos trabalhadores nativos com pouca especialização ... Por causa de seus baixos ganhos, os imigrantes pouco qualificados tendem a pagar menos em impostos que o que recebem em benefícios públicos, escolas públicas para seus filhos, e serviços médicos públicos.

Assim, embora a presença de trabalhadores imigrantes pouco especializados possa aumentar o lucro de seus empregadores, ela tende a ter um efeito negativo sobre o bem-estar da população nativa de baixa qualificação, e sobre a economia nacional como um todo."

É pouco provável que alguém discuta essas questões abertamente. É politicamente contraproducente fazê-lo. Podemos ser uma sociedade regida pela lei e ao mesmo tempo uma sociedade acolhedora, para usar a expressão do presidente. Mas não podemos ser uma sociedade que acolha um número ilimitado de pobres da América Latina sem comprometer seriamente nosso futuro - e também o futuro de muitos latinos que já estão aqui. Entretanto, é precisamente isso que o presidente e muitos senadores (democratas e republicanos) apóiam ao endossar grandes programas de "trabalhador convidado" e a expansão do atual sistema de concessão de vistos . Na prática, essas propostas resultariam em aumentos substanciais de imigrantes com baixa qualificação profissional.

Com que velocidade eles podem ser assimilados? Não dá para sabear, mas podemos consultar a história. É preocupante. Em 1972, os hispânicos eram 5% da população americana e sua renda familiar média era 74% a de famílias brancas não-hispânicas. Em 2004, os hispânicos eram 14% da população, e sua renda familiar média era 70% da renda de brancos não-hispânicos. Esses números sugerem que imigração acelerada de trabalhadores pouco qualificados e rápida assimilação se opõem. Algumas famílias de imigrantes fazem progressos enormes, mas muitas não, e os recém-chegados representam um problema constante.

As dificuldades são óbvias. A competição entre eles comprime os salários. Os serviços sociais, mais requisitados, pioram. Em 2000, os filhos de imigrantes já representavam um quarto de todos os alunos de baixa renda nas escolas públicas americanas, indica um estudo do Urban Institute. O número é provavelmente maior hoje. O estudo indica também que os filhos de imigrantes estão rapidamente se espalhando além dos seis Estados onde eles tradicionalmente se concentram (Califórnia, Texas, Flórida, Illinois, Nova York e New Jersey). Isso pode explicar por que a imigração se tornou, de repente, uma questão tão explosiva.

Um e-mail de leitor: "Há crianças na escola de meu filho que não conseguem falar uma única palavra em inglês e isso está causando uma grande frustração entre os funcionários e as outras crianças ... temo pelo futuro de meu filho."

Há paralelos marcantes entre como tratamos a imigração e o envelhecimento. Em ambos os casos, os fatos claros. Mas optamos por ignorá-los, pois a franqueza pode parecer insensibilidade e politicamente prejudicial. Quem gostaria de ofender idosos ou latinos? O resultado é que pioramos nossas opções ao adiá-las. Uma sociedade sensata há muito teria começado a adaptar-se às conseqüências da maior expectativa de vida, melhores condições de saúde e mais riqueza fazendo cortes cuidadosos na previdência social e no Medicare (programa de assistência médica). Fizemos pouco.

Infelizmente, os dois problemas se entrecruzam. Coincidentemente, as projeções do censo dizem que tanto a faixa da população com 65 anos ou mais quanto a população hispânica serão cerca de um quinto do total até 2030 (a população idosa hoje está perto de 12%). Os aumentos de impostos que serão necessários para o atendimento aos idosos são de 30% a 40%. Os que não acham que haverá conflitos entre os beneficiários mais velhos e os contribuintes mais novos - hispânicos ou não - estão se iludindo. Quem imagina que não haverá mais disputa entre os números crescentes de latinos pobres e afro-americanos pobres por empregos e poder político também está se iludindo.

Como diz o presidente, precisamos de uma política "abrangente" de imigração. Ele está certo sobre alguns elementos: controlar a fronteira, fornecer cartões de identificação confiáveis aos imigrantes legais, penalizar empregadores que contratam imigrantes ilegais, fornecer algum status legal aos ilegais de hoje. Mas está errado ao querer aumentar o número de imigrantes com baixa qualificação profissional sob a ficção da "escassez" de mão-de-obra americana. Em seu depoimento, o economista Chiswick argumentou corretamente que deveríamos fazer o oposto - dar preferência aos imigrantes qualificados. Deveríamos ficar espertos sobre o futuro; por enquanto, não estamos sendo.

*Robert J. Samuelson integra o corpo de redatores do jornal 'The Washington Post'.


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