Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 11, 2006

Dora Kramer - Clube de má fama





O Estado de S. Paulo
11/5/2006

A extensão da verdade, ou da falsidade, das denúncias da assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino, a respeito do envolvimento de 170 parlamentares com a máfia que manipulava verbas do Orçamento-Geral da União por meio de fraudes a emendas apresentadas para compra de ambulâncias, é uma questão a ser esclarecida pela polícia e pela Justiça.
O problema que se impõe ao Parlamento é outro: as acusações soam verossímeis, consagram a desmoralização da atual composição do Poder Legislativo, às voltas com uma gravíssima crise de imagem não superada nem pelo escândalo de 1993, quando, em seguida ao impeachment do então presidente Fernando Collor, as ilicitudes com as verbas do orçamento foram objeto de uma comissão de inquérito.
Lá, era apenas um episódio. Aqui, são vários, um sobreposto ao outro, um pior que o outro, numa série interminável de ocorrências (no sentido policial do termo) às quais o Congresso - e aí o comprometimento político/partidário do comando da Câmara e do Senado tem muito de responsabilidade - não tem exibido capacidade de reagir.
Chegamos, com esse caso agora da denúncia de que as fraudes ao orçamento tinham uma amplitude inimaginável, à culminância em matéria de desqualificação.
Ninguém estranha, nem em princípio duvida, que possa ser uma expressão da realidade o fato de um senador e 169 deputados - um terço da Câmara - usarem de suas prerrogativas de mexer no orçamento para abrir as portas a fraudadores em troca de 15% das verbas a título de propina.
E, quando ninguém estranha, nem em princípio duvida, de duas uma: ou se está diante de um anestesiamento geral, que resulta em conivência social, ou tal aceitação reflete o modo como a instituição de representação política é percebida por seus representados. 
 
 
Propina de deputados pode até não ser verdadeira, mas soa verossímil 
 
 

Em última análise é com esse cenário que os presidentes da Câmara e do Senado terão de lidar. Nenhum deles, nem o conjunto do Parlamento, têm condições morais para discursar em defesa da apuração rigorosa "doa a quem doer" ou mesmo de pedir a instalação seja de CPI seja de processos de investigação nas corregedorias.
Podem fazê-lo formalmente, mas não contarão com o benefício do crédito público, entre outros motivos porque o Poder Legislativo se deixou transformar numa máquina de absolvições corporativas. Há as exceções de conduta? Há muitas, mas, como o sistema é de colegiado, quando a parte não reage com firmeza crítica suficiente para alterar o comportamento do todo pode, no máximo, se conformar com o compartilhamento do ônus moral.
As primeiras reações foram de condenação mais aos procedimentos da Polícia Federal - por não ter tido o cuidado de "separar o joio do trigo" - do que aos delitos comprovadamente cometidos por assessores e supostamente avalizados por parlamentares.
Tentar, como fizeram vários líderes partidários, transferir a responsabilidade ao Poder Executivo, alegando que a liberação do dinheiro ocorre naquele âmbito, é fugir do problema do Parlamento onde, sob a ótica do público pagante e votante, viceja robusto o joio e murcha o franzino trigo.

Mente farsante
Silvio Pereira comportou-se ontem no depoimento à CPI dos Bingos como um disciplinado seguidor da cartilha do petista fiel e mostrou aos companheiros de partido, principalmente ao presidente Ricardo Berzoini, como foi injustiçado ao ser chamado de "traidor".
Qualificá-lo como desequilibrado mental, descompensado emocional e atormentado espiritual, viu-se, foi também uma precipitação inominável.
Mais não seja por subtrair brilho à comemoração petista diante do desempenho do rapaz na CPI. Mentiu, desmentiu a si próprio, desmontou com a conduta serena a versão do destempero emocional, exibiu-se sem constrangimento um farsante na tentativa de proteger o partido, o governo e o presidente da República.
Silvio esforçou-se ao ponto de se candidatar à pronta reabilitação partidária, mas não alcançou seu objetivo. No essencial, restou a confirmação de que realmente confirmou ao Globo a existência de um sistema de arrecadação financeira ilegal no PT a bordo do aparelho de Estado.
O desempenho esteve à altura do espetáculo do faz-deconta apontado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello, em seu discurso de posse.
Silvio Pereira obviamente arrependeu-se de suas palavras ao jornal. Mas estão registradas, confirmadas e marcadas como o primeiro testemunho de um "insider" do esquema a avalizar o resultados das investigações do Congresso e do Ministério Público.

Padrão
A CPI dos Bingos deixou que Silvio Pereira mentisse à vontade, sem esboçar reação, a não ser verbal. Ocorreu o mesmo no último depoimento de Duda Mendonça, que se recusou a responder a questões fora do alcance do habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal.
Donde fica consagrado para as próximas CPIs o direito à mentira e ao silêncio.


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