| artigo - |
| O Estado de S. Paulo |
| 12/5/2006 |
Provavelmente nunca antes, desde a proclamação da República, o governo brasileiro tenha praticado uma política de relações exteriores tão equivocada como a atual. O chanceler Celso Amorim parece-me ser um sujeito sensato e com os pés no chão, mas não nos esqueçamos de que, antes de tudo, ele é um diplomata de carreira. Na linha de Talleyrand, o genial francês que, no século 19, de tão flexível, conseguiu servir a três regimes diferentes, Amorim, como ninguém, sabe "dançar a música". Foi ministro de Relações Exteriores no governo Itamar Franco, voltou a comandar o Itamaraty no governo Lula e, não obstante serem governos tão diferentes, ele soube equilibrar-se bem nos dois. Mesmo assim, custa-me a crer que um egresso do Instituto Rio Branco - reconhecidamente uma das melhores escolas de diplomacia do planeta - compartilhe a delirante visão de mundo defendida pelos lulistas. Em rápidas palavras, essa visão é a seguinte. O mundo atual - após a queda da União Soviética - se divide em dois blocos distintos. Um é formado pelas nações ricas e desenvolvidas e o outro é composto pelas nações que lutam para romper a barreira do subdesenvolvimento. Esses dois blocos, em suas relações internacionais, mantêm políticas antagônicas. Os países ricos estão voltados unicamente para si mesmos e, quando se relacionam com o outro bloco, se preocupam exclusivamente em manter os seus próprios privilégios, criando inúmeros obstáculos para uma relação comercial mais eqüitativa. O bloco dos ricos prevalece porque todos os seus membros agem sempre de forma coesa. Já o bloco dos pobres não consegue impor-se justamente por causa de sua desunião. Dentro dessa visão bipolar, qual é o papel que cabe ao Brasil? Ora, em razão da nossa extensão territorial, da nossa numerosa população e do nosso potencial econômico, nossa vocação natural é a de liderar. Se não o fizemos no passado foi porque nossas políticas estavam equivocadas. Agora que nós sabemos exatamente o que queremos, o céu é o limite. A nossa diplomacia deve ser altiva, assertiva e até mesmo agressiva, no sentido de firmar uma posição em defesa dos interesses do bloco dos pobres. Uma vez que o Brasil levante a sua voz, as demais nações do bloco naturalmente nos seguirão. E assim nós conquistaremos a liderança que nos cabe de fato e de direito. Trata-se de um enfoque simplista, sem a menor dúvida. Nem as nações ricas agem sempre de forma coesa, nem os interesses e aspirações dos países pobres são necessariamente os mesmos. O diabo mora nos detalhes, reza o ditado. E é justamente por ignorar as diversas nuances existentes que nós estamos trilhando o caminho do inferno. A diplomacia brasileira comporta-se como aquele escoteiro novato que praticou a sua primeira boa ação. "Ajudei uma velhinha a atravessar a rua, chefe!" "Foi fácil?" "Que nada! A velhinha não queria atravessar de jeito nenhum..." No afã de unir os países emergentes contra os países desenvolvidos, o Brasil está-se esquecendo de perguntar aos pobres se é exatamente isso que eles desejam. No mais das vezes, não é. O desejo das nações pobres geralmente é o de unir-se às ricas e tirar o máximo proveito dessa relação. Dois terços do comércio internacional se dá exclusivamente entre os países ricos, pouco menos de um terço representa o comércio entre ricos e pobres e cerca de 2% a 3%, somente, se dá entre países pobres. "Bloco dos miseráveis" para quê? Para trocar banana e abacaxi por cacau e amendoim? Desde a década de 1990 está aí o fenômeno da globalização, e parece que só a diplomacia brasileira ainda não se deu conta disso. O sonho de todas as nações é inserir-se cada vez mais no comércio global e, assim, romper as amarras do subdesenvolvimento e da estagnação econômica. Até mesmo países como Vietnã e Bangladesh - que 20 anos atrás eram citados como exemplos de miséria - hoje estão se desenvolvendo rapidamente graças à integração da economia internacional. Enquanto tudo isso acontece, o Brasil transita, impávido, pela contramão e ainda reclama das buzinas que ouve... Estamos voltando aos anos 1960, quando o mundo se dividia entre países capitalistas e comunistas, tendo ao meio o bloco dos não-alinhados, o dito Terceiro Mundo, que pendia ora para um lado, ora para o outro, de acordo com as suas conveniências do momento. Como não mais existe o Segundo Mundo, o Terceiro, obviamente, perdeu a razão de ser. Chantagear a quem e com qual argumento? Acorda, Itamaraty! A guerra fria acabou. O que existe agora é, de um lado, um punhado de nações ricas e, de outro, quase duas centenas de países cujo único objetivo é enriquecer o mais rápido possível. Nos meios diplomáticos internacionais, o pitoresco comportamento brasileiro já está virando motivo de chacotas. Tal qual o personagem de Cervantes, o presidente Lula é um herói a procura de um enredo. Na falta de dragões, qualquer moinho lhe serve de alvo. Entre tantas trapalhadas e tantos desencontros, digna de registro foi a atitude do chanceler Amorim, em seu depoimento no Senado. Após ter sido cruelmente violentado por Chávez e Morales, ele objetou, docemente, que o Brasil se sente "desconfortável" (sic!) com tal situação. "Desconfortável", ministro?! Isso lembra a história do caçador que se lamentava com um amigo por ter sido, na selva, molestado por um gorila. "E daí? Gorila não fala!" |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
sexta-feira, maio 12, 2006
Diplomacia é isso aí?:: João Mellão Neto
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
maio
(558)
- Villas-Bôas Corrêa Lula no país das maravilhas
- DORA KRAMER Uma boa e doce vida
- Cultura cívica de papelão Luiz Weis
- José Nêumanne A gala dos tucanos no baile dos peti...
- Investimentos externos brasileiros
- Coleção de erros
- Gabeira e Renan batem boca sobre sanguessugas
- Míriam Leitão - Tempos piores
- Merval Pereira - Dois modelos
- Luís Nassif - O homem errado
- Jânio de Freitas - Serviços e desserviços
- Fernando Rodrigues - O vice de Lula
- Clóvis Rossi - Aconchego
- Celso Ming - Reforço da cautela
- Carlos Heitor Cony - Mentiras institucionais
- Lucia Hippolito na CBN:O voto dos funcionários púb...
- Primeira Leitura : Reclamando e andando Por Lilia...
- Miriam Leitão on line - Ministro da agricultura cu...
- A demissão de Furukawa
- A reeleição de Uribe
- Brasil cresce menos que concorrentes
- Chega de encenação PAULO SÉRGIO PINHEIRO
- Democracia Ali Kamel
- Dois países
- Estrangeiros reavaliam planos para AL
- Arnaldo Jabor - A herança de FH vai reeleger o Lula
- Carlos Heitor Cony - O futuro de Lula
- Clóvis Rossi - O trambique desce redondo
- Luís Nassif - A gestão na área social
- Valdo Cruz - Não se anule
- Celso Ming - A Petrobrás acorda a tempo
- Dora Kramer - A musa dos descontentes
- Luiz Garcia - A imprensa menos livre
- Merval Pereira - O fator Aécio
- Míriam Leitão - Juros e PIB
- Lucia Hippolito na CBN Reforma na Constituição
- Touraine, Castañeda e o Virundum Por Reinaldo Azevedo
- Fernando Gabeira Os bandidos na mesa do café
- Miriam Leitão on line -Semana tera juros em queda ...
- Mortos e vivos - Denis Lerrer Rosenfield
- Duas crises, dois atraso - Carlos Alberto Sardenberg
- Chantagem política Paulo Guedes
- Chantagem política Paulo Guedes
- O REAL -Ex-cabo eleitoral de FHC, real vai ajudar ...
- Fernando Rodrigues - Uma lei pró-PT
- Lucia Hippolito na CBN:Um passo à frente e dois atrás
- Inevitável fim do fôlego RICARDO AMORIM
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS JB
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS
- AUGUSTO NUNES CPI LANÇA CANDIDATO DO PCC
- A gregos e troianos Mailson da Nóbrega
- Bernanke se corrige e aceita 2% de inflação Albert...
- Os desacertos de Mantega Suely Caldas
- Falha dos bancos centrais (2)Celso Ming
- Embate de personalidades Dora Kramer
- Um alerta para o Itamaraty
- O pára-quedista e o alpinista Gaudêncio Torquato
- A crise é de autoridade
- Oposição sem rumo
- Falta horizonte
- CLÓVIS ROSSI O tiroteio continua
- VALDO CRUZ Guerra e paz
- CARLOS HEITOR CONY Aparecer para crescer
- JANIO DE FREITAS Picadinho (sem gosto)
- RUBENS RICUPERO Crise mundial: ameaça ou oportunid...
- LUÍS NASSIF O MoMA e o Masp
- FERREIRA GULLAR Papo brabo
- Como ganhamos a Copa de 58JOÃO UBALDO RIBEIRO
- Merval Pereira
- Miriam Leitão Fim da semana
- Lula e a Revolução Francesa Por Reinaldo Azevedo
- Uma eleição sem espaço para o populismo
- MILLÔR
- Lya Luft Vamos fazer de conta
- VEJA Entrevista: José Manuel Durão Barroso
- André Petry Eles não passarão
- Diogo Mainardi Gabeira para presidente
- Roberto Pompeu de Toledo Seleção brasileira de est...
- Lula se torna o guardião da política econômica
- Márcio Thomaz Bastos abafa todas
- Cresce o poder de compra dos mais pobres
- A bancada de José Dirceu
- TSE corta o custo das campanhas
- Duda fez e continua fazendo
- CELSO MING Falha dos bancos centrais (1)
- Crise do gás - momento de reflexão Opinião Josef B...
- DORA KRAMER De rotos e esfarrapados
- Um déficit explosivo
- As razões do favoritismo
- Moral em concordata Mauro Chaves
- CARLOS HEITOR CONY Os palhaços
- GESNER OLIVEIRAEconomia contra o crime
- Delírio ideológico
- Merval Pereira De pernas para o ar
- Zuenir Ventura Contra o crime virtual
- Miriam Leitão O senhor tolere
- Lucas Mendes Idolatria americana (idolatria e geog...
- A FORÇA DE LULA por Denis Rosenfield
- Adeus, hexa Guilherme Fiuza
- Agosto Por Liliana Pinheiro
-
▼
maio
(558)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA