Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 16, 2006

Celso Ming - A sociedade amedrontada





O Estado de S. Paulo
16/5/2006

A desenvoltura com que o crime organizado vem conseguindo espalhar o terror comporta vários ângulos de análise. Um deles é o econômico, que pode não explicar tudo, mas lança luzes sobre o que está acontecendo.

Este é o país da economia informal, do "por fora", do caixa 2 ("que todo o mundo faz", como já disse o presidente Lula), dos "quebra-galhos" e dos que procuram levar vantagem em tudo (como dizia o campeão do mundo Gerson). É o país do contrabando e do comércio ilegal de armas. Esses esquemas não subsistem sozinhos. Exigem outras estruturas informais e ilícitas, como a lavagem de dinheiro e a formação de máfias. Desembocam em outras atividades deformadoras, como a chantagem à Justiça e a corrupção. E criam contrapartidas nas áreas política e social. Daí as novas relações de poder (relações políticas), também paralelas, que se contrapõem ao Estado e tentam produzir novas instituições paralelas.

Falar em instituições paralelas deixa a impressão de que são mundos que não se tocam. Não é assim. É parte essencial desse jogo a promiscuidade das relações entre os dois mundos, o formal e o informal. São amplos os setores da polícia que fazem jogo duplo; é o governador que, por meio do seu secretário da Segurança, negocia com essa gente; e é o envolvimento dos políticos cujas campanhas eleitorais são em parte financiadas pelo crime organizado.

A omissão das autoridades é conseqüência dessa promiscuidade. É o que explica as transformações das prisões em escritórios de coordenação de atividades criminosas de grande sofisticação. Basta que o governador deixe de cumprir algumas cláusulas de acordo com os comandantes desse submundo para que seja colocada em marcha ampla ação de bandidagem destinada a levar a população ao pânico e a consolidar o poder paralelo, como mostraram as ações dos três últimos dias.

Essa promiscuidade já é por si só fator que dificulta o desmantelamento dessas organizações. Ontem, o presidente Lula advertiu que é difícil combater o crime organizado. Depois que a passividade das autoridades deixou que o crime se organizasse é mesmo mais difícil acabar com ele. O crime organizado é criativo. Quando a polícia consegue desarticular um disseminado esquema de assaltos a bancos, trata de montar uma rede de comandos que operam no seqüestro de endinheirados de calibres variados. Quando a repressão ataca as centrais de seqüestro, concentra-se no narcotráfico ou no comércio ilegal de armas. Quando cai um comando, outro ocupa imediatamente seu lugar.

Diante do poderio demonstrado, o que pensar das declarações do governador na TV de que o Estado controla a situação? As autoridades lamentam o progresso tecnológico que deu eficácia ao crime. Alguém precisa explicar-lhes que a tecnologia é neutra, não atua a favor de apenas um lado. Por que não se deram ao trabalho de usá-la para ouvir o que se trama contra a segurança pública, para agir preventivamente em defesa da população?

Gravemente enferma, a sociedade está amendrontada. A história nos conta o que acontece quando o medo toma o lugar da esperança.

ming@estado.com.br

 

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