O New York Times de domingo revelou negociações em curso para que a fábrica de motores para veículos Tritec, que a Daimler-Chrysler e a BMW mantêm em Campo Largo, a 25 km de Curitiba, seja transferida, peça por peça, para a China.
Aqui, essa unidade se limitava a exportar e estava subaproveitada. Lá, se o negócio for confirmado, fará parte da estratégia do grupo chinês Lifan para produzir, a partir de 2008, veículos de porte médio e baixo consumo para exportação. O comprador chinês, empresário Yin Mingshan, quer acoplar o motor a um veículo inspirado no Honda Civic ou no Toyota Corolla.
A perda física de uma fábrica que incorporava o que há de mais avançado no ramo em tecnologia de processo e dava emprego a 500 trabalhadores deve gerar uma avalanche de críticas e tende a acentuar o diagnóstico de que está em curso um processo de desindustrialização no Brasil. Há, do ponto de vista dos interesses do País, vários aspectos a considerar. Fiquemos com apenas dois .
O investi mento das montadoras Chrysler e BMW na unidade de Campo Largo em 1998, de cerca de US$ 500 milhões e generosos incentivos fiscais do governo paranaense, foi um erro não só por ter superestimado o mercado interno brasileiro, cometido por outras montadoras no Brasil, mas também porque deixou de fazer sentido quando a alemã Daimler Benz incorporou a americana Chrysler.
Como, dentro do Grupo DaimlerChrysler, essa fábrica sobrou e porque parece não haver interesse de outra montadora instalada no Brasil em assumir os ativos, a transferência para a China passou a ser oportunidade para os administradores se livrarem de um mico.
Ontem, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, adiantou que não há o que fazer para evitar a perda. O governador do Paraná, Roberto Requião, vai tentar ao menos cobrar os subsídios. Mas dá para aprender a primeira lição: estímulos fiscais não serão capazes de atrair e reter unidades industriais inteiras quando forças mais poderosas prevalecem.
Quando se fala em forças poderosas convém não precipitar conclusões de cunho conspiratório. O que está transferindo a indústria para a Ásia não são conchavos geopolíticos, mas vantagens na relação custo-benefício. Não importa se essa transferência é feita fisicamente, por meio do transporte das linhas de produção e das máquinas instaladas em Campo Largo para algum sítio do Sudeste da China, como nesse caso, ou se é feita por simples perda de investimentos para outros países.
A migração da indústria do Ocidente para a Ásia é um fenômeno aparentemente inexorável. Há meses, o atual presidente da General Motors do Brasil, o americano de origem chinesa Ray Young, adverte que o salto da China no mercado mundial de veículos "é ameaça para o Brasil". Sob o impacto do baixo custo de produção da Ásia - embora não tenha sido só por isso -, a General Motors Corporation anunciou em novembro o fechamento de 12 fábricas e demissões de 30 mil trabalhadores em pouco mais de dois anos. A Ford não ficou atrás e, em janeiro deste ano, para tentar reverter prejuízo anual de US$ 1,6 bilhão, decidiu liquidar 14 fábricas e de 25 mil a 30 mil postos de trabalho.
A Europa industrializada teme que se repita com seu setor de veículos o que aconteceu com a indústria de aparelhos eletrônicos ao longo das últimas décadas, quando tradicionalíssimas marcas ocidentais como Telefunken, GE, Philips, Garrard, Philco e RCA foram atropeladas por sucedâneos asiáticos como Sony, Mitsubishi, Panasonic, LG e Samsung.
Mas veja como são as coisas. Quando uma fábrica é transferida para o outro lado do mundo, tem chiadeira, esperneio, crítica e tudo o mais. Mas quando os investimentos são perdidos porque, em vez de escolher o Brasil, o dono do capital prefere a China, a Índia, a Coréia do Sul, ninguém por aqui abre a boca. E, no entanto, é perda de investimento do mesmo jeito.
É para abrir o olho. Sem mais acordos comerciais e sem redução pra valer do custo Brasil, bye-bye investimentos.