EAGORA
(02/10/05
A entrevista de Silvinho, publicada na Folha de S. Paulo de hoje, é mais uma peça da farsa encenada pelo PT. Os poucos que saíram (até agora, a rigor, apenas Silvinho, de vez que Delúbio insiste em permanecer e a direção do PT insiste em não puni-lo) fingem que estão chateados, simulam descontentamento, choram mágoas, tudo para reafirmar sempre duas coisas, basicamente: 1) o problema foi caixa 2 (a versão oficial para desviar a atenção da quadrilha petista organizada no governo, do mensalão e do Estado paralelo); e 2) Lula e Dirceu nada sabiam e nada tinham a ver com isso. É a mesma explicação dos demais envolvidos. Coincide com o que disse Delúbio. Coincide com o que disseram todos os outros petistas que prestaram depoimentos, seja na Polícia Federal, na Corregedoria, na Comissão de Ética ou em alguma CPI. É preciso ser muito desprovido de inteligência para não ver que estão sulcando uma interpretação, repetida ad nauseam para virar verdade.
Tudo isso é uma farsa. Acham que somos otários. Se Lula, como disse o Silvio, não se imiscui nos assuntos partidários, por que então retirou dois ministros de Estado para mandá-los dirigir o partido?
Lula continua controlando o PT, ele é o verdadeiro dirigente do partido. Dirceu continua sendo homem-forte dentro do PT, ainda que – nas atuais circunstâncias – possa agir por meio de intermediários. Há sim, uma tensão entre Lula e Dirceu. Mas não é de agora. Sempre houve. São inimigos íntimos. No entanto, são complementares. Existem dois aparelhos. O aparelho montado por Lula, com a alocação de centenas de ex-sindicalistas na administração direta, nas estatais, nos fundos de pensão e em outros órgãos para-governamentais com grande orçamento e o aparelho montado por Dirceu (com a ajuda de Silvinho) que distribuiu milhares de militantes de cima a baixo do governo, infestando completamente a máquina pública.
Lula, é claro, pensa primeiro em si. Na verdade, pensa somente em si. O PT, para ele, é um instrumento. Não vai descartá-lo, mas vai fazer tudo para dar a impressão de que agora só cuida do governo. Dirceu, carente da liderança carismática do "Grande Irmão", só tem a máquina partidária e alguns esquemas próprios de menor importância. Já era assim e assim continua.
Lula continua em comunicação com Dirceu. Algumas rusgas entre ambos (e não as mais sérias), cuidadosamente vazadas e plantadas na imprensa por assessores, fazem parte de uma manobra de despistamento.
Lula, mesmo que queira, não pode se desvencilhar de Dirceu. Ele sabe muito. Não precisa ir longe. Nem o PT pode se desvencilhar de Delúbio, por razões óbvias para qualquer um que conheça a dinâmica das quadrilhas.
É assim que funciona. Tudo permanece como antes porquanto há a crença de que o governo vai dar a volta por cima e Lula será reeleito. Os poucos que foram pegos com a boca na botija encaram as dificuldades atuais como uma provação. Algo temporário.
O maior esquema ilegítimo de poder da história do país não foi desmontado. Lula é o chefe. Enquanto Lula permanecer no governo, o esquema continuará.
Enquanto isso, os inteligentes tucanos acham que farão um passeio em 2006, removendo Lula numa boa e ainda contando com seu agradecimento por não ter sido impedido e desmoralizado. Certos de que voltarão ao governo, gostariam de ter uma oposição civilizada. Não querem que o ressentimento petista infernize seu próximo mandato.
Ledo engano. O petismo dos que realmente dirigem o PT continuará sendo o que é. O controle partidário continuará nas mãos de Lula e de Dirceu (ou de alguém que represente o que ele significa). Em qualquer circunstância.
A chapa de Dirceu teve cerca de 120 mil votos no processo eleitoral interno. A chamada Articulação de Esquerda é um ramo da velha Articulação (o núcleo realmente dirigente do tal "Campo Majoritário"). Juntos, controlarão a maioria das direções partidárias.
Todos os acusados continuarão na militância ou a ela logo voltarão. Inclusive o Delúbio, o Silvinho, o Mentor, o Sereno, o João Paulo, o Luizinho etc. etc. Talvez com exceção de alguns adeptos da servidão voluntária, como Genoino, que nunca foi dirigente de coisa alguma. E, não obstante, Genoino reforça a mesma versão de que Lula e Dirceu de nada sabiam.
Muitos só não voltarão, porque nunca saíram. A maioria deles deixou isso claro agora, participando ativamente das eleições internas. Não será um Berzoini que vai puni-los.
Quase três anos depois e apesar de tudo o que aconteceu, as oposições e boa parte da imprensa parecem não ter entendido nada do PT.
Folha de S. Paulo (02/10/05) clipping