É assim que vive a República ou parte dela: com medo de ser delatada. Imaginem só se o ex-tesoureiro Delúbio Soares, por exemplo, contasse tudo o que sabe? Ou que o ex-ministro José Dirceu contasse? Ou que O Sombra, suspeito da morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André, contasse metade das histórias que sabe? E por aí vai.
Ex-presidente do Banco de Boston, o goiano Henrique Meirelles largou um dos empregos mais ambicionados do mundo para realizar antigo sonho: entrar na política. Pelo PSDB de Goiás, elegeu-se deputado federal em 2002. Numa guinada inesperada, renunciou ao mandato para se tornar presidente do Banco Central do governo Lula a convite do ministro Palocci.
Há alguns meses, começou a ser sondado por vários partidos para ser candidato ao governo de Goiás. Na última quarta-feira, acertou com o ministro Valfrido Mares Guia, do Turismo, o ingresso no PTB. Na quinta-feira, voltou a falar com ele e confirmou o que acertara na véspera. Aí Lula e Palocci entraram em campo para fazê-lo desistir.
Na sexta-feira, para o bem geral do governo e, pelo que ele supõe, do país, Meirelles anunciou que ficará na presidência do Banco Central. "A filiação a qualquer partido seria incompatível com a posição de autoridade monetária", proclamou Meirelles. "Foi uma decisão difícil, mas o país é mais importante. Tenho um trabalho que ainda não terminei".
Quer dizer: somente da quinta para a sexta Meirelles descobriu que "a filiação a qualquer partido seria incompatível com a posição de autoridade monetária". E que ele tem um trabalho a fazer que ainda não terminou. Dá para acreditar na desculpa? Dá para acreditar - isso, sim - no que escreveu a repórter Cida Fontes em O Estado de S. Paulo de ontem.
Lá pelo meio da reportagem de Cida tem um trecho que diz assim:
- Lula manifestou a Meirelles sua preocupação com as acusações pendentes na Justiça, já que ele responde a processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Olhe o medo aí, gente! Entenda por que Meirelles renunciou ao sonho de disputar o governo do seu Estado.
Meirelles responde a processo por envio irregular de dinheiro para o exterior. Lula assinou Medida Provisória concedendo status de ministro ao presidente do Banco Central. Fê-lo (saudades do Jânio Quadros que pelo menos sabia falar português corretamente!) para livrar Meirelles de embaraços com a Justiça Comum. Só o STF pode processar ministros.
Se deixasse de ser ministro, Meirelles estaria sujeito a ir parar atrás das grades por decisão de qualquer juiz da primeira instância. Pensaram só nisso?