FOLHA DE S PAULO
Depois de três meses da comédia das CPIs montada na Câmara dos Deputados, fico a me lembrar dos momentos mais hilariantes e, ao mesmo tempo, mais reveladores do nosso universo político. O caráter performático do espetáculo a que o país iria assistir logo se revelou no desempenho do deputado Roberto Jefferson, que, agora cassado, poderá, quem sabe, seguir a carreira teatral, caso não se dê bem como cantor de ópera. E foi uma denúncia sua que provocou a primeira reação indignada da presente temporada teatral: a do deputado Valdemar Costa Neto.
-Vossa Excelência está mentindo. Está tentando enlamear a minha honra e a honra desta Casa, onde nunca se viu tanta indignidade! Saiba Vossa Excelência que vou processá-lo por calúnia e difamação!
Eu -que mal sabia quem era o Valdemar, mas sabia quem era Roberto Jefferson- acreditei no Valdemar. Qual não foi o meu espanto quando o vejo subir à tribuna da Câmara para renunciar ao mandato! Ou seja, admitia que as acusações de Jefferson eram verdadeiras. Mas, com a mesma cara-de-pau, afirmou:
-Nobre presidente Severino Cavalcanti, renuncio neste momento ao mandato de deputado federal para, assim, honrar o meu partido e as tradições da Câmara dos Deputados.
No primeiro momento, tomado de surpresa, não entendi nada do que ouvia; um segundo depois, disparei a rir.
Os dias se passaram, nasceu a CPI do Mensalão. Foi quando correu um "frisson" entre os membros da comissão, deputados falando ao ouvido uns dos outros. Algo, sem dúvida, os inquietava: é que surgira uma lista com nomes de deputados da oposição que também teriam recebido o "mensalão". O vice-presidente da comissão, deputado do PT, entregara a lista ao relator, um documento capaz de virar o jogo a favor do governo, segundo se dizia. Mas, de repente, levanta-se um deputado do PSDB e afirma:
-Acabo de saber que a tal lista com nomes de deputados da oposição foi trazida a esta CPI pelo seu vice-presidente. Quero informar que o vi, ontem à noite, entrando no carro do senhor Marcos Valério.
A revelação chocou a todos. O acusado, dando curso ao divertido espetáculo, correu para o microfone e gritou inflamado:
-Essa acusação é uma indignidade! Não admito que se ponha em dúvida a minha integridade moral de representante do povo! Jamais seria capaz de trazer para esta comissão um documento falso! E nego peremptoriamente que tenha entrado, ontem à noite, no carro do senhor Marcos Valério!
E com tal veemência o comediante falou que houve até um início de palmas da parte de seus companheiros de bancada. Mas o denunciante voltou à carga:
-Advirto Vossa Excelência de que, na garagem do Senado, há câmeras que registram tudo o que ali ocorre. E aproveito para solicitar ao senhor presidente da comissão que requisite as fitas gravadas durante a noite de ontem.
As fitas vieram. Daí a momentos, a televisão mostrava o vice-presidente da Comissão do Mensalão entrando no carro de Marcos Valério. Diante disso, não restou ao nobre deputado senão renunciar ao cargo. Como Valdemar, fez também um discurso em que admitia ter pisado na bola, mas tudo pelo bem de seu partido, do Congresso e da pátria... A essa altura, todos os dias, eu já ligava a televisão sorrindo por antecipação, na expectativa de novas cenas hilariantes. Bendito "mensalão", que veio tornar bem mais divertida a vida de todos nós!
Mas faltava a apoteose: faltava o "mensalinho"... O "mensalinho" do Severino.
Severino está longe de possuir o talento histriônico de um Jefferson. Pernambucano de João Alfredo, a sua figura está entre uma efígie de ex-voto e um personagem de cordel que, como tal, veio parar em Brasília e se tornou presidente da Câmara. Convivendo com os espertos, tornou-se esperto também. Espelhando-se em Lula, pernambucano e sertanejo como ele, sonhava ser presidente da República... mas eis que descobrem o seu "mensalinho" quando já tinha galgado até a tribuna da ONU!
Severino levou um susto, mas logo se refez e voltou a Brasília com ânimo de cangaceiro e trabuco na mão: convocou uma entrevista coletiva e bradou: "É mentira! É mentira! É mentira!". E o fez com tanta convicção que muita gente acreditou nele; até eu balancei, ainda que às gargalhadas, é claro.
-É verdade que vai renunciar?, perguntou-lhe um repórter gaiato.
-A palavra renúncia não consta de meu vocabulário -respondeu Severino, com admirável presença de espírito.
Como naqueles programas de humor em que os personagens mudam, mas o bordão é sempre o mesmo, as acusações se confirmaram e viu-se que, nesse caso, como nos anteriores, a indignação fazia parte do "script".
Com o passar dos meses, os espetáculos da Câmara Brasileira de Comédias foram perdendo a graça. O pessoal já estava retornando ao "Casseta e Planeta" quando começaram os ensaios de uma nova comédia, que logo estreou: a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, graças à intervenção de Lula -que, para isso, comprou os partidos do "mensalão". O espetáculo não pode parar.
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