Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 01, 2005

Zuenir Ventura: Tão bela e tão suja

Por mais louvável que seja, e é, essa operação iniciada no fim de semana para tentar pôr ordem na orla carioca, retirando mendigos e controlando o comércio informal, não vai conseguir resolver o problema que mais incomoda os turistas daqui e de fora ouvidos em pesquisas de opinião: a falta de limpeza das ruas e calçadas. A cidade maravilhosa, uma das mais bonitas do mundo, é também das mais sujas, apesar de um eficiente serviço de coleta de lixo. E por essa mazela não se deve responsabilizar o poder público, mas a sociedade, e nem sempre sua parcela mais pobre.


Se de fato a Comlurb é uma das instituições mais simpáticas e que melhor funcionam, como se explica o paradoxo? Por que o aparato de que dispõe a cidade como nenhuma outra proporcionalmente — 50 mil lixeiras e nove mil garis — não dá conta da sujeira que produzimos diariamente? Por que o lixo jogado no chão representa 40% do total do município, enquanto em outras grandes cidades do Primeiro Mundo não passa de 5%?

A resposta é simples: apesar de ser um povo asseado individualmente, que gosta de água desde o tempo dos tamoios, o carioca é imundo coletivamente — limpo por dentro e sujo por fora. Ou seja, é capaz de manter brilhando o seu espaço privado, cuidando como poucos da higiene pessoal e doméstica — do corpo, da roupa íntima, da casa e do carro — mas joga toda a sujeira na rua, transformando o espaço público numa grande lixeira.

A mesma dama da Zona Sul que exige da empregada deixar impecável o chão do seu apartamento é a que acha normal levar o cachorro para fazer cocô na calçada ou nos canteiros. O motorista que paga ao porteiro para lavar seu automóvel três vezes por semana, quando não todo dia, é o mesmo que não tem o menor pudor de jogar fora pela janela garrafas de plástico, sacos de papel amassado e latas de refrigerante.

Talvez, quem sabe, isso seja herança do velho hábito colonial de guardar os excrementos e dejetos domiciliares em barris, que eram transportados pelos escravos, os "tigres", e jogados à noite em terrenos baldios ou no mar.

O pior é que, por falta de educação e por mau hábito, o lixo vem aumentando oito ou nove vezes mais do que a população nesses últimos 20 anos. E não há muito o que fazer, a não ser aplicar a lei que desde 2001 prevê multa e sanção para quem polui o espaço público. Mas, como sempre, não se consegue fazê-la cumprir. Como disse uma vez o presidente da Comlurb, "experimente dizer para alguém não jogar lixo na rua. A pessoa ri na cara".
o globo

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