Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 15, 2005

Zuenir Ventura :O que ensina a crise

o globo


Escrevo enquanto se desenrola no Conselho de Ética da Câmara o depoimento do deputado Roberto Jefferson, aguardado com tensão e medo como uma bomba de efeito moral devastador. Não pude acompanhar até o fim, mas até onde vi, o vilão posou de herói, dominando o espetáculo: interpretou, foi melodramático, fez caras e bocas e acabou transformando sua defesa em acusação contra colegas e contra a imprensa que, claro, o persegue.


A sensação era de que este país, que já parou por tantos motivos nobres, estava assistindo a um arremedo de ópera bufa. Poucas vezes apresentou-se em público um espetáculo tão revelador dos bastidores de Brasília e das relações espúrias entre o Executivo e o Legislativo. Chegou a ser didático. Às vezes parecia reunião para ensinar como usar dinheiro ilícito de campanha, caixa 2, doações e compra de votos. Falou-se em luvas de R$ 1 milhão, e até um crime eleitoral foi revelado. O próprio Jefferson confessou ter recebido no ano passado R$ 4 milhões de um operador do tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

Parecia a "Ópera dos três vinténs", de Brecht, com os personagens do submundo da sociedade — mendigos, vigaristas, prostitutas — substituídos por colarinhos-brancos do alto mundo da política. O pior dessa paródia operística é que é mais uma razão para o público, já descrente de tudo e de todos, manifestar sua indignação por meio do pessimismo e do desencanto, achando que nada vale a pena porque em cena só tem alma pequena.

Para quem sonha com um enredo menos niilista, porém, há outro libreto possível, baseado na visão oriental de que as crises, conforme são representadas na escrita chinesa, têm sempre um duplo sentido, dialético e contraditório. Os dois ideogramas que formam a palavra significam perigo e oportunidade. Eles querem dizer que, ao lado dos estragos que podem produzir, elas possuem também uma dimensão pedagógica e progressista, ou seja, o que não mata engorda ou, dito de outra maneira, quando se chega ao fim do poço só há uma saída, a saída.

Só que isso exige desprendimento e coragem. O senador Tião Vianna, do PT, sugeriu que todos os ministros do seu partido pedissem demissão. É pouco. Não sou do ramo e sei que o que vou dizer é uma ingenuidade política, mas acho que qualquer que seja o resultado final, mesmo que o governo saia dessa, o gesto que poderia reverter de fato a crise seria Lula abrir mão do apego ao poder e renunciar ao projeto de reeleição que, como se sabe, tem sido a mãe desses escândalos.

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