O poder corrompe. E como corrompe! Assim os cidadãos de bem acostumaram-se a identificar a natureza da vida política e partidária brasileira. Assim têm exemplificado, com perturbadora clareza, boa parte dos nossos representantes, espalhados por todos os níveis em todas as regiões do país. A clarividência de tais convicções recebe acréscimos ainda mais inquietantes com as sucessivas revelações divulgadas pela imprensa.
À saudável percepção de vitalidade democrática - balizada pela liberdade investigativa com que repórteres têm esgaravatado os desmandos do poder - soma-se o crescente repúdio do (e)leitor, estupefado com as práticas despudoradamente inseridas no cotidiano da esmagadora maioria dos partidos e seus integrantes. Deseja-se um sistema transparente e eficiente; encontram-se as migalhas morais do que sobrou de uma classe corroída pela corrupção endêmica.
Os últimos episódios, deflagrados pelo homem-bomba do PTB, deputado Roberto Jefferson, escancaram ainda a desventura de um partido fragilizado pelo presente: de uma instigante história de 22 anos, na qual se consolidou como o mais confiável do ponto de vista ético entre as agremiações nacionais, o Partido dos Trabalhadores transformou-se numa sombra soturna do que fora até um passado recente. Mergulhou numa depressão política sem precedentes, resultado não somente das ''más companhias'', mas da espantosa troca da bandeira da ética pelo arrivismo do poder.
Alimentado, deslumbrado e saciado pelo desejo de consumar-se no comando do país, o partido optou, no desembarque ao Planalto, por seguir a cartilha de práticas históricas: um vale-tudo no qual se incluem múltiplos casamentos ao sabor das conveniências, os devaneios programáticos e as articulações miúdas promovidas em nome de uma falsa governabilidade.
Tanto escárnio de alguns petistas e aliados põe o presidente Lula numa desoladora situação, incompatível com a biografia que ostenta. Eis o seu dilema, pois: destruir o partido que comandou por duas décadas ou ver aniquilado o próprio governo. Exige-se do presidente a opção entre o péssimo e o ruim. Cortar, de fato, a própria carne, como prometeu em importante discurso na semana passada, ou afundar-se no ralo moral, engolfado pelas travessuras cometidas por integrantes do PT - levando consigo todo o governo, de cuja sobrevivência também depende o futuro do país.
Entre as duas opções, convém insistir na primeira. Sugere-se-lhe apoiar com raro vigor todas as investigações possíveis - no Congresso, na Polícia Federal, no Ministério Público; responder às interrogações não esclarecidas pela coletiva do presidente do PT, José Genoino, e do tesoureiro Delúbio Soares; apresentar explicações razoavelmente sensatas para as ruidosas denúncias de corrupção - dos Correios aos ''mensalões''. Jamais será tarde para enviar à população um recado de intransigência contra a corrupção, e não de complacência. A prepotência petista levou o presidente a acreditar que seu governo seria tão puro quanto pregava na oposição. Eleito para ser diferente, resignou-se ao mais do mesmo.
Ainda que aja com empenho, contudo, o prejuízo já se instalou no Planalto. Politicamente, este governo acabou. Economicamente, sobrevive à custa do empenho da equipe do ministro Antonio Palocci, um dos poucos resguardos de competência da gestão petista. Restará a Lula salvar a biografia, demitindo os ministros maculados por denúncias e pela má administração e exigindo que a direção do PT faça o mesmo com os quadros mais desonrosos. Tamanha desfiguração genética exigirá ainda do presidente repensar a reeleição. A não ser que decida governar sem os picaretas que o têm cercado.
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