Ao reagir às denúncias sobre casos de corrupção em seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recolocou na agenda nacional a reforma política, que chamou de "palavra mágica". Não há dúvida de que o sistema político-partidário brasileiro precisa de correções.
O Planalto, porém, parece inclinado a ver no debate da reforma uma ocasião para desviar as atenções, transferindo responsabilidades do governo e do PT para as deficiências institucionais do país.
A verdadeira "mágica" que se pretende encenar é transformar culpados em vítimas. O ilusionismo consiste em criar a idéia de que falhas do arcabouço político devem responder por decisões de indivíduos cientes do que estavam fazendo. Mas identificá-los e submetê-los ao rigor da lei é fundamental.
Se houve pagamento de "mesadas", como afirmou o deputado Roberto Jefferson a esta Folha, os envolvidos precisam ser apontados e punidos. O mesmo aplica-se aos Correios e ao Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), empresas nas quais quadrilhas ligadas a políticos disputam vantagens na intermediação de negócios.
A ênfase na reforma não pode servir para acobertar corruptos e salvar as aparências de um governo que trocou a oportunidade histórica de promover mudanças por um projeto de ocupação do poder.
Medidas provisórias do Planalto já instituíram mais de 19.000 cargos, dos quais cerca de 3.300 podem ser ocupados sem concurso público. Militantes petistas e apaniguados tomaram de assalto a máquina pública, numa disputa feroz com "aliados" insatisfeitos e sedentos de recompensas. Erros políticos foram cometidos em série, e o fisiologismo tornou-se a regra.
Agora, o governo tenta convencer o país de que irá se redimir por meio de uma reforma política, que constava, aliás, das prioridades do candidato Lula, mas foi esquecida depois da vitória. A reforma continua sendo necessária, mas é ilusão acreditar em seus poderes mágicos.
Esta Folha é favorável a regras que restrinjam o individualismo no exercício do mandato parlamentar e reforcem a coerência partidária. É preciso coibir a infidelidade e a migração entre legendas. Um político que queira disputar eleições deve estar filiado a um mesmo partido nos quatro anos que antecedem o pleito. Normas para impedir a proliferação de agremiações de aluguel têm de ser reforçadas.
Coligações em eleições proporcionais devem ser proibidas. A proporcionalidade das bancadas estaduais exige correções, de modo que o voto de cada eleitor em cada Estado tenha o mesmo peso na eleição para a Câmara dos Deputados.
Há, ainda, que tornar mais rigorosas as regras para o financiamento de campanhas, conferindo total transparência a esse processo. Não será o financiamento público que resolverá o problema, mas o combate implacável às doações clandestinas.
O esforço para coibir os desvios exige que o governo federal e as empresas estatais contem com uma administração estável, baseada em carreiras, na qualificação e no mérito. O número de cargos de confiança deve ser reduzido drasticamente, e as nomeações, submetidas a critérios objetivos.
Outro foco de desvios, o Orçamento da União não pode continuar a ser objeto de negociatas. Os programas devem ser respeitados, e as emendas individuais, banidas. Há também novas privatizações a realizar, como é o caso notório do IRB.
São medidas que confeririam mais racionalidade à política nacional, mas que precisam ser acompanhadas de uma elevação do padrão ético da classe política por meio do exercício dos controles democráticos. A sociedade brasileira elegeu o candidato Luiz Inácio Lula da Silva com a esperança de que o PT demonstrasse no poder o mesmo grau de exigência moral e republicana que pregava na oposição. Se esse compromisso deixou de ser cumprido, a culpa não é apenas do sistema político.
Entrevista:O Estado inteligente
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