Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 08, 2005

A POLÍTICA COMO NEGÓCIO FOLHA DE S PAULO EDITORIAL

 Colhido de surpresa pela entrevista do presidente do PTB, Roberto Jefferson, publicada na segunda-feira por esta Folha, o governo petista, no momento em que via crescer as chances de barrar a CPI dos Correios na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), foi obrigado a recuar e mudar de tática. Aqueles que vinham considerando a investigação parlamentar desnecessária passaram a apoiá-la. Houve também os que aventaram a hipótese de criar uma nova comissão para investigar a compra de votos -que poderia se estender a fatos ocorridos na gestão anterior.
Acuado e procurando, com atraso, evitar que se consolide a idéia de que há conivência do governo com operações nebulosas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu as diretorias dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil e, em discurso no 4º Fórum Global de Combate à Corrupção, assegurou que não irá "acobertar ninguém". "Cortaremos na própria carne", prometeu o primeiro mandatário, que mencionou a necessidade de uma reforma política no país. Por sua vez, o presidente do PT, José Genoino, disse que agora o partido participará da CPI e defenderá seu "patrimônio ético".
Os esforços do presidente e da direção de seu partido talvez melhorem um pouco a imagem do governo, mas dificilmente irão mudar a crescente percepção de que a política nacional se tornou um grande mercado no qual decisões do Legislativo e do Executivo, com revoltante assiduidade, são objeto de operações de compra e venda. Medidas Provisórias, projetos de lei, concorrências e licitações, nada parece escapar da lógica mercantil, que se instaura já no processo de financiamento de campanhas, quando doadores "investem" em candidatos com o intuito de colher vantagens no futuro.
Tal realidade, como se sabe, não é nova. Embora a adesão ao fisiologismo do governo Lula possa parecer mais chocante, à luz da atuação pregressa do PT, os "companheiros" no poder dão prosseguimento a um padrão já estabelecido. Não há muita diferença entre o "mensalão" de hoje e a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição em 1997, também revelada por esta Folha.
Partindo do pressuposto de que tanto o então presidente Fernando Henrique Cardoso quanto Lula têm compromissos éticos e prefeririam que as decisões políticas fossem pautadas o máximo possível por convicções e projetos de interesse do país, travando-se a disputa dentro dos limites republicanos, é inevitável constatar que uma força maior acaba por se impor, transformando o Executivo em refém de parlamentares interessados sobretudo em extrair benefícios pessoais da vida pública.
Não se trata, obviamente, de atribuir as virtudes ao Executivo e os vícios ao Legislativo, mesmo porque houve ocasiões, como no governo de Fernando Collor de Mello, em que o Congresso Nacional interpretou a vontade nacional de moralização da política e promoveu um histórico processo de impeachment. O que é preciso reconhecer é que ambos, Executivo e Legislativo, têm naufragado no mesmo sistema político-partidário invertebrado que, apesar dos notáveis avanços democráticos das últimas décadas, ainda carece de reformas profundas.
Já se procurou atribuir à moralidade na política uma característica própria, mais elástica e diversa daquela que regeria a vida privada, mas ainda que alguém queira aceitar diferenças entre essas esferas, o que se observa no Brasil ultrapassa todos os limites.
É, portanto, a própria instituição política, tal como hoje se desenha, que vai sendo posta em xeque com esses infindáveis casos de corrupção. É preciso que ao menos os melhores entre aqueles que a sociedade escolheu para administrar a República tenham consciência de que o país se encontra diante de desafios mais graves do que apenas punir um ou outro político corrupto -o que, de resto, é indispensável.
É de lamentar que, nesse cenário, o PT, cujo histórico o credenciava a assumir o papel de liderança moral num processo de reforma, tenha tão rapidamente cedido ao "realismo" de uma política que cada vez mais se exerce como negócio.

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